Frases


"O coração que se ganha é o que se dá em troca"Marcelino Freire



domingo, 27 de janeiro de 2013

Bienal do Livro do Ceará (II - Ignácio de Loyola Brandão)


Fotos e vídeos: Denis Akel e Diego Akel

Quando vi o nome de Ignácio de Loyola Brandão na lista dos convidados para essa Bienal, de cara já me empolguei com o evento. Loyola é um autor que admiro bastante, mesmo ainda tendo lido muito pouco de sua obra; apenas contos e crônicas, mas já me identificando, inclusive em um período onde ainda estava por descobrir meu gosto pela escrita. Contos como O homem cuja orelha cresceu e O homem que procurava a máquina, me impressionaram, e hoje vejo bem o porquê. Além disso, a própria maneira de Loyola falar, em entrevistas, aumentava minha identificação com ele, e com a literatura em si. Era algo parecido com o que sentia sempre que ouvia ou lia Moacyr Scliar.

A palestra estava marcada para as 17:00 do sábado, 11 de novembro. Fui, dessa vez acompanhado por meu irmão Diego Akel. Chegamos ao Centro de Eventos já um pouco atrasados, e temi que já tivesse começado, mas ao chegar lá, porém, percebi que não trouxera a programação ou memorizara o nome da sala onde aconteceria. Como encontrá-la? Não parecia nada complicado, uma vez que havia muita gente da organização no balcão de recepção, mas não foi assim tão simples.

Falamos com os receptivos, que se mostraram bastante despreparados, com dificuldade de nos darem as informações devidas – sequer entenderam quando pronunciei o nome do escritor. Para completar, não havia nenhum folheto da programação por perto (seria útil para localizar o nome e local). Acabaram por nos mandar ao primeiro andar, para procurar alguém de lá para nos dar essa informação. No caminho, imaginei que provavelmente àquela hora Loyola já estaria com a palavra. A situação no primeiro andar não foi muito diferente, no que diz respeito à dificuldade de informação, mas pelo menos lá o nome do escritor foi entendido rapidamente. Após algumas consultas em um guia, que parecia exclusivo aos receptivos, a moça com quem falamos nos orientou até a sala. Não foi difícil de achar, após essa instrução.

Seguimos em meio a um extenso corredor. Havia uma porta entreaberta, onde parecia se concentrar um grande fluxo de pessoas. Era ali. Espichei o rosto para dentro e vi dezenas de cadeiras preenchendo o interior da sala. Logo à entrada, uma mulher nos cumprimentou, falando sobre a palestra que  – para meu alívio – ainda não tinha começado. Não sabíamos quem era ela, mas parecia ter alguma influência, ou mesmo cargo, na produção. Reforçando essa ideia, ela nos contou que ao final da palestra haveria uma apresentação teatral, uma adaptação de uma das obras de Loyola. Falou bastante sobre o espetáculo, e mesmo ansiosos para entrar logo na sala, a ouvimos com atenção. A apresentação seria uma prévia, que aproveitaria a presença do autor para ser divulgada. A versão completa seria encenada no dia 7 de dezembro, no Dragão do Mar. De posse de todas essas informações, enfim entramos no auditório. Todos os lugares frontais estavam ocupados, nos fazendo seguir para as cadeiras mais ao fundo. Ignácio de Loyola Brandão já estava presente no local, e bem visível, sentado entre as pessoas, bem perto de onde ficamos. Calmo e sereno, o escritor transmitia tranquilidade.

Havia bem à frente, em uma espécie de palanque, a mesa que receberia o escritor. Nela, um homem, que devia ser o mediador da conversa, lia algum texto de Loyola. Ao final, chamou o escritor que, sob uma salva de palmas, caminhou até o palco.

A palestra foi muito reveladora, Loyola contou, brevemente, um pouco de como começou sua carreira. O escritor começou relembrando uma professora que teve, que lhe foi muito especial, por ter-lhe ensinado a ler e escrever, sobretudo o gosto pela escrita. O autor disse ainda que ela está viva até hoje, e ele, nos seus 76 anos, ainda conversa com ela, sempre que pode. Relembrou também que ela dizia sempre, nas aulas de redação, que criassem o que quiserem, que escrevessem o que quiserem, nada é absurdo. Esse tipo de liberdade lhe deu os alicerces que o fizeram até hoje como escritor.

Ainda sobre início de carreira, falou de como a profissão de jornalista foi importante para difini-lo como escritor. Disse ainda que os jornalistas precisam correr, buscar, aquilo que não é dito, aquilo que é escondido. Este é o trabalho do jornalista.



Contou muitas histórias, explanando situações e vivências, com um jeito característico, fazendo breves pausas entre as palavras, transmitindo muito bem o peso de cada uma delas. Era quase como se narrasse um conto ali, durante a palestra. Tal ação, excelência com a palavra, chamava a atenção da plateia, que ouvia em silêncio, cativada. Em uma das histórias, falou de um ipê, muito bonito e vistoso, que tinha o hábito de observar todos os dias. Até que percebeu que ele vinha ficando mais fraco e sem vida, e curiosamente via uma senhora o regando todos os dias. O ipê acabou por morrer. Loyola fez uma averiguação. A tal mulher matara o ipê. O motivo? Ele sujava sua calçada com suas folhas. Ela não o regava por bondade, mas para acabar com ele, em uma engenhosa artimanha para não despertar suspeitas. Essa história ilustrou bem como o ato de observar fatos do dia a dia podem revelar histórias surpreendentes.

O escritor comentou que as ideias para criar suas histórias vêm muito de imagens, uma vez que sua formação tem muita coisa de cinema. Quando uma dessas imagens fica em sua cabeça, sabe que é hora de escrever. Falou bastante, também, sobre um baú onde guarda recortes de matérias suas que não puderam ser publicadas na época, agora fonte de inspiração para livros e crônicas.

Alguém certa hora perguntou sobre seus autores e obras preferidas, uma pergunta bem recorrente quando se  tem um escritor palestrando. Loyola inicialmente foi contra a maré, falando de autores e obras que muitos talvez não esperassem ouvir. Disse que O Patinho Feio, Robinson Crusoé, entre outros, o marcaram bem mais que os autores típicos, sinônimos de intelectualismo, como Machado de Assis ou José de Alencar. Não os descartou, mas sua resposta mostra que obras consideradas pequenas ou infantis podem ter muito a dizer, se a pessoa souber enxergar. Ainda sobre obras preferidas, citou Ulysses, de Joyce. Meio que complementando essa reposta, em outro trecho da conversa, Loyola disse não se apegar a semiótica ou outros conceitos formais. Os respeita, mas sempre gostou simplesmente de contar histórias.

Uma de suas obras mais comentadas na ocasião foi Não Verás País Nenhum (que era também a que estava sendo adaptada para o teatro). O escritor contou como surgiu a ideia para a história, a partir do "furo na mão". Foi simples, estava certo dia em sua mesa, e desenhou, ao acaso, um furo na mão com uma caneta. Um amigo que passava por ali então lhe perguntou: "O que é isso, Ignácio, um furo na mão?" E ele respondeu, aproveitando-se da situação: "É". Nascia aí a questão que era abordada no livro, a questão do ser diferente, e dessa diferença incomodar um certo sistema.



Em certo momento, uma mulher, professora, se levantou, para perguntar, e disse que ele provavelmente não se lembraria dela, mas que ela o conheceu em Ocara, em uma visita que o escritor fez anos atrás. Ela disse que tinha ficado muito feliz com a maneira como ele se relacionou com as pessoas da região, que todos tinham gostado muito dele, que o achou uma pessoa muito simples, apesar de ser um escritor renomado. Ela completou dizendo que sempre quis comentar como esse fato a deixou marcada, bem como a todos da comunidade. Loyola falou, enternecido, que lembra bem desse episódio, e que gostou muito de ter conhecido tudo aquilo. Disse ainda que uma senhora de Ocara chegou para ele com um presente, de forma muito humilde. Um vidro de mel. A senhora disse que o mel tinha uma procedência especial, feito em sua própria casa. Loyola disse, para o público, que aquele foi o melhor mel que já provou em toda sua vida. O episódio o marcou tanto que seu próximo livro se chamará O Mel de Ocara.

Um dos momentos mais curiosos e destacáveis, ao menos para mim, foi quando Loyola falou de seu livro Veia Bailarina, um relato autobiográfico, que embora com elegante e poético título, nasceu de uma situação ameaçadora; a descoberta de um aneurisma cerebral, em 1996. Ele explicou tudo. Era uma cirurgia delicada. Nas palavras do escritor: "...uma granada dentro de minha cabeça, que podia explodir a qualquer momento". Felizmente, foi diagnosticado a tempo, e venceu essa barreira da vida, mas sempre, antes e depois do tratamento, avaliou sua vida, refletindo erros e acertos. Contudo, desde o início o nome "veia bailarina", a que os médicos chamam o aneurisma, fascinou o escritor. Como um termo tão belo e dançante poderia fazer parte do seco e sério vocabulário médico? Ao final, Loyola resolveu publicar o livro, extraindo dessa experiência uma lição elementar e fundamental, a redescoberta da vida. Não poderia haver título melhor, pois, do que Veia Bailarina.

Quando indagadado sobre fatos e detalhes do livro Bebel que a Cidade Comeu, Loyola disse não gostar de falar sobre o que acontece em seus livros. Que o leitor precisa pensar também, precisa ele próprio raciocinar sobre o que acontece. Já perto do fim, Loyola deu um conselho valoroso aos novos escritores: estejam atentos ao mundo, ao que acontece à volta de vocês, no dia a dia.

Pensei em fazer uma pergunta, na verdade não bem uma pergunta típica, mas pedir a ele que falasse um pouco sobre Moacyr Scliar, uma vez que sei que eram grande amigos. Antes que pudesse me dar conta, porém, o bloco de perguntas já estava para ser finalizado, e esse meu comentário teria de ficar para uma outra vez. A última pergunta foi se Loyola acredita em teorias da conspiração. O escritor foi novamente direto em sua resposta, ao dizer que tem coisas mais importantes com que se preocupar.

E então, sob uma prolongada salva de palmas, Ignácio de Loyola Brandão deixa a bancada da palestra, retornando para sua cadeira, do lado da qual aguardava sua esposa. Logo em seguida, o palco é rapidamente preparado, saindo a mesa e entrando muitas pessoas, o elenco da peça, a adaptação da obra Não Verás País Nenhum, a prévia do espetáculo. Os atores tomaram suas posições, devidamente caracterizados, enquanto uma banda assumiu, ao fundo, uma poderosa trilha sonora. Para uma amostra, até que a encenação foi surpreendente. A atuação dos atores era bem verossímil, com um texto forte e pungente. Não pretendia ficar além da palestra, mas me vi quase hipnotizado pela peça (apesar da má acústica da sala ter prejudicado algumas falas), e assim meia hora passou-se num sopro. Ainda não conhecia a obra em questão, mas com certeza após essa breve encenação irei procurá-la em um momento futuro. Mais grandes aplausos, em agradecimento aos atores, fecharam a programação. Loyola levantou-se, recebeu ainda o carinho de algumas pessoas, que se dirigiam a ele, enquanto o contigente maior deixava a sala. Dei uma última olhada no escritor, nas pessoas ali presentes, nos atores do espetáculo, e deixei também o auditório, bastante realizado.

Atores encantam público com bela prévia do espetáculo Não Verás País Nenhum 

Essa foi uma daquelas palestras onde ficamos, de alguma maneira, com tudo o que foi dito ainda na cabeça, mesmo com dias passados. Mesmo agora, meses depois, escrevendo sobre ela, ainda a tenho viva nas lembranças, e é justamente para prolongar mais essa sensação que resolvi escrever aqui um pouco sobre este momento. Quanto à encenação completa de Não Verás País Nenhum, ainda tentei ir, mas não consegui, como contarei em um post futuro. Ainda sobre a Bienal do Livro do Ceará 2012, postarei em breve comentários sobre a palestra da escritora Márcia Tiburi, que também tive o prazer de assistir.