Frases


"O coração que se ganha é o que se dá em troca"Marcelino Freire



terça-feira, 3 de junho de 2014

Família Felina




Finalmente de volta ao blog! Nossa, já faz quase um ano desde a última vez que postei algo aqui! Em parte, a foto acima é a razão desse hiato no blog. A história desses gatos é bem peculiar. Eles chegaram à minha vida de maneira inesperada e eu, que nunca tinha criado nenhum animal, me vi de repente completamente envolvido, a ponto de quase não ter tempo para qualquer coisa que não fosse relacionada aos felinos. É um pouco dessa história que pretendo contar ao longo deste post, um breve resumo dos últimos meses. 

Tudo teve início durante o mês de julho do ano passado, no qual eu estava ajudando meu irmão, Diego, em algumas produções, na Casa Amarela. Estávamos em um ritmo intenso, trabalhando em vários projetos, mas mais focados  no videoclipe animado Agradecimento (o qual ainda pretendo fazer um post a respeito). Durante o tempo que passávamos por lá, entre uma saída e outra da sala da truca, palco central de nosso trabalho, nos deparamos pela primeira vez com a gatona aí de cima, a gata mãe, que na época, por inexperiência, acreditávamos ser um gato macho. Era comum aparecerem gatos por ali, uma vez que os muros eram baixos e o ambiente convidativo aos felinos, mas mal sabíamos nós que aquela gata não estava ali por acaso. Nosso primeiro contato, aliás, foi no mínimo estranho, pois sua aparência não era das melhores; pêlo arrepiado, olhos esbugalhados e miado rouco. Ela mais nos causou susto do que qualquer outra coisa. A angústia do olhar, contudo, tinha uma razão: estava faminta. Na hora, por conta da correria desenfreada do trabalho, acabamos sem poder fazer nada por ela.

Um pouco mais tarde, nesse mesmo dia, pedimos pizzas para o jantar, e quando fui jogar fora as embalagens e os eventuais restos de massa, me deparei novamente com a gata, mas dessa vez ela não estava como antes. Estava calma e logo se aproximou de mim, se pondo a miar, um miado agora suave, mas ainda claramente de pedido. Como depois viríamos a perceber, essa gata miava muito, sendo essa uma de suas principais peculiaridades. Olhei para ela, e lembrei dos restos de pizza que tinham sobrado, que estavam ali pertinho, nas caixas que iam para o lixo. Resolvi então dá-los ao pobre felino. Peguei os pedaços de massa e os atirei perto dela. Foi quase instantâneo: a gata os atacou de imediato, faminta como estava. Comeu quase todas as migalhas de massa e pedaços de calabresa. Eu sabia que esse estava longe de ser o alimento ideal para ela, mas com certeza era mais ideal do que não ter nenhum alimento. Satisfeito pelo que tinha feito, voltei para junto do pessoal.

Comentei meu gesto com Diego e Grá, amiga nossa que fazia parte da equipe de produção. Ela me contou que já tinha visto a gata, já tinha lhe dado algum alimento e que no dia seguinte iria trazer ração. Grá então foi nos contando detalhes sobre os hábitos dos gatos, pois ela tinha um, e estava bem acostumada a esse mundo. Aqui, então, soubemos que aquele gato que tinha aparecido ali não era gato, mas sim gata, e mais: havia a possibilidade de estar esperando filhotes. Grá nos explicou que as fêmeas geralmente têm três tonalidades de cor na pelagem, e essa gata de fato era salpicada de branco, preto e marrom. Nosso trabalho então seguiu, e não vimos mais a gata naquele dia. À noite, em casa, fiquei pensando em tudo isso, toda essa nova experiência. Provavelmente no dia seguinte ela já teria ido embora, e tudo aquilo seria esquecido.



No dia seguinte, assim que chegamos lá, vi que Grá colocara um pratinho com ração e outro com água para a gatinha, mas não a vi em nenhum lugar. Com certeza já tinha sumido no mundo, da mesma maneira como apareceu, pensei. Grá, porém, me garantiu que ela ainda estava lá e que já tinha comido bastante. Pouco depois, vi a gatinha, e ela veio diretamente a mim, naturalmente, miando, com aqueles belos e expressivos olhos esverdeados. Parou próxima e continuou miando, depois passando entre minhas pernas, meio que roçando. Era um gesto que a princípio podia não agradar muito, mas que depois percebi se tratar de um pedido de carinho, uma aproximação, uma maneira da gatinha chamar atenção. Passei a aceitar esse gesto, e a retribui-lo com afagos e carinhos, e creio que assim comecei a criar um vínculo com ela. 

O desenrolar desses dias, pelo menos quanto ao nosso trabalho no videoclipe, foram bem exaustivos, pois passamos da hora muitas vezes, inclusive adentrando madrugadas. Com certeza a presença da gatinha nesses momentos foi de grande importância, pelo menos para mim. Após os primeiros contatos, eu ficava na sala pensando como ela estaria lá fora, se ainda estava lá. De tal maneira que aproveitava uma ou outra pausa do trabalho para sair e brincar um pouco com ela, que sempre me recebia com muita efusão. Era engraçado, pois me senti quase como se já tivesse aquele contato há tempos, sendo que nunca – nunca mesmo – tinha tido nenhum animal de estimação, ideia que com certeza sequer chegava a considerar. 

Passamos então a alimentá-la todos os dias, e isso favoreceu ainda mais a aproximação dela com nossa equipe, principalmente comigo, que costumava lhe dedicar mais tempo. Muitas foram as vezes em que ela entrava na salinha onde estávamos produzindo o videclipe, e logo se refestelava em uma das poltronas e cadeiras, entregando-se a um sono puro e tranquilo. Era tão relaxante que até nos motivava a animar com mais afinco. Uma das coisas que mais me chamou a atenção nessa gatinha, além de seus miados constantes, foi sua docilidade; sempre se aproximava de todos que de uma maneira ou de outra estavam pelos corredores da Casa Amarela. Seu carisma contagiava. Todos se encantavam com ela, lhe faziam carinho, lhe afagavam a cabeça. Claro que nem tudo eram flores e também havia os que não gostavam muito dela, ao que gata, que não é besta nem nada, procurava evitar. Por causa dela, aconteceram até reuniões entre os funcionários, a fim de estabeler "oficialmente" a presença da gatinha ali. 




Uma das situações mais curiosas desse início de convívio se deu em um dos dias onde madrugamos na Casa Amarela. Em um dos muitos momentos em que deixei a sala para respirar outros ares (e também olhar a gatinha), sentei num banco lá fora, e me pus a relaxar. Já devia passar das duas da manhã. A gatinha logo veio e se aninhou ao meu lado no banco. Ali fiquei, alternando olhares entre o céu estrelado e a felina, até que de repente, sentindo o peso do cansaço acumulado do dia, comecei a cochilar, tornando a cabeça para trás. As pálpebras já fechavam quando senti uma das patinhas da gata em meu braço, com uma leve faiscada do contato com suas unhas. Percebi então o que ela fizera: ao meu lado, esticou-se para frente, ergueu uma das patinhas e me cutucou levemente, meio que para me acordar, como quem diz: "não é hora de dormir agora" ou "acorda e olha pra mim". Achei notável essa sua iniciativa, em perceber que eu começava a dormir e ao fazer o que podia para me acordar. Sem dúvida, nosso vínculo ficava mais forte a cada dia. 

E assim passaram-se dias, e essa realidade continuou fazendo parte de minha rotina, ao menos enquanto estava na Casa Amarela. E, invariavelmente, pensei em como seria se eu por acaso a adotasse, a levasse para casa. Daria eu conta de cuidar dela? Seria uma experiência totalmente nova, sem dúvida. As meninas que compunham nossa equipe, Grá e Carol, disseram que até levariam a gatinha, mas ambas tinham empecilhos; Carol, dois cachorros e Grá, uma gata ciumenta. Ninguém mais manifestou vontade de ficar com a pobre gatinha, que enquanto isso ia sobrevivendo da generosidade dos que passavam diariamente pela Casa Amarela. 

Por mim, já a teria levado pra casa, já teria aceitado essa nova responsabilidade. Diego também achava uma ideia interessante, principalmente após todo o apoio que Grá se comprometeu a nos dar, mas ainda dependia da aceitação de nossa minha mãe, que não parecia muito a favor, sempre não aprofundando muito quando eu tocava no assunto. Ela até gostava de gatos, desde que estivessem longe, e sempre dizia a sentença: "não gosto quando eles ficam roçando na gente". Por mais que eu comentasse, falando as vantagens de se ter um gato, pelo que pesquisara e ouvira de amigos, mamãe não era flexível, e assim a questão ficou um longo tempo em aberto.

Mais dias se passaram, o ritmo de trabalho no videoclipe Agradecimento chegava a seu clímax. A gatinha seguia como mascote oficial do curta, ganhando inclusive aparições nos bastidores. Ela vinha por enquanto sendo chamada de Aparecida, nome dado por Dona Vera, funcionária da Casa Amarela que também se afeiçoara bastante a ela (mas que não poderia adotá-la por também ter cachorros em casa). Tudo estava tranquilo, porque também ainda não sabíamos que a gatinha estava de fato esperando filhotes. 

Mesmo com as luzes apagadas na filmagem, a gatinha prestava atenção a tudo

É interessante mencionar também que desde os primeiros contatos que tivemos com ela, vimos logo que não se tratava exatamente de um gato de rua. Não costumava se assustar, nem com pessoas, nem com carros. Parecia de alguma maneira bem educada, uma vez que não arranhava, não mordia, mesmo quando lhe fazíamos carinho na barriga (posição mais vulnerável dos felinos). A hipótese mais provável para ela ter ido parar na Casa Amarela era mesmo abandono por parte de seu antigo dono, ou fuga – chegamos até a sondar se alguém das imediações dera por falta dela, sem sucesso. Contudo, nada de seu bom comportamento a livraria de sua natureza felina, e imaginamos que cedo ou tarde, se não agíssemos, ela iria ter filhotes. A solução seria castrá-la, mas ainda até esse momento não estávamos bem certos de que a adotaríamos, embora inconscientemente já nos sentíssemos responsáveis por ela. A medida então seria apenas para mantê-la na Casa Amarela, e até buscamos referências de locais e preços, mas tudo chocou-se com o prazo que tínhamos para finalizar o filme, de tal modo que quando percebemos, não deu outra, a gatinha estava esperando filhotes. E mal sabíamos o rumo que esses filhotes dariam à nossa vida. 

A notícia dividiu opiniões; por um lado seria uma experiência única acompanhar o nascimento dos filhotes enquanto que por outro agora seria bem mais difícil cuidar de toda a família felina, e talvez até inviabilizasse a vinda da gata mãe – já bastante complicada – para nossa casa. Foi Natália, outra amiga de Diego, que estava de passagem por lá certo dia, que atestou, com firmeza, a gravidez. Antes, suspeitávamos, mas achávamos que a gatinha estava gordinha apenas por comer demais. Agora estava fora de questão castrá-la, ela teria mesmo os filhotinhos.   

E tudo se deu mais rápido do que imaginávamos. Conforme pesquisei, a gestação dos gatos dura em média apenas 65 dias, e uma ou duas semanas após concluirmos a produção de nosso videoclipe, soubemos que os filhotes já tinham nascido. Fomos até lá esperando encontrar uma ninhada de pelo menos uns cinco ou seis gatinhos, mas eram apenas três! E como eram diferentes entre si, com relação à pelagem! Um era preto com branco, outro dourado com branco e o último todo acinzentado. A estranha mistura seria explicada pelo fato de cada um ter um pai diferente, pelo que pesquisei depois. O comportamento da gata mudou completamente, passando ela a ficar quase integralmente com os filhotes, amamentado-os. Também não ficava nada feliz se alguém por acaso chegasse perto de um dos gatinhos. Passamos então a ir ocasionalmente lá, deixar ração, uma vez que a mamãe precisava comer mais do que nunca para garantir leite para seus filhotes. 




Contudo, nada ainda havia sido concretizado sobre eu vir a adotar ou não a gata mãe. O nascimento dos filhotes meio que bagunçou um pouco esse ideal, uma vez que agora não poderíamos separá-los até que passassem cerca de 2 meses, tempo mínimo recomendado para que desmamassem. E muito provavelmente eles teriam passado esse tempo lá mesmo na Casa Amarela, não fosse minha intervenção, para propiciar um local melhor e mais seguro para abrigá-los, como direi mais adiante.

Foi arranjada uma caixa de papelão, na qual foi feita a caixa-maternidade, que manteria os filhotes seguros e a mamãe teria tranquilidade para alimentá-los em segurança. Essa caixa foi colocada numa salinha reservada lá mesmo, e por lá a família felina ficou nos primeiros dias dos recém-nascidos. A princípio, não tive razão para querer tirá-los dali, mas foi mesmo a própria mamãe gata que demonstrou estar insatisfeita, cerca de duas semanas após o nascimento, época em que os filhotes começaram a abrir os olhinhos.

Ela simplesmente começou a tirar os filhotes um a um da caixa, com a boca, e levá-los para locais bastante inóspitos, como uma passarela que dava para a sala de cinema. E não adiantava trazê-los de volta, pois não demorava lá estava a gata mãe novamente levando-os para lá. Pelo que pesquisei (sim, durante toda essa época, tive de fazer inúmeras pesquisas, virando quase um especialista em comportamento felino), esse comportamento se dá quando a mamãe gata percebe que o local onde está seu ninho é inseguro, perigoso para sua cria, e busca assim um lugar mais protegido. E a Casa Amarela, de um jeito ou de outro, tem uma boa circulação de pessoas por dia, principalmente quando lá acontecem eventos e exibições de filmes. Tudo bem que a intenção era proteger a cria, mas do jeito que as coisas estavam, a mamãe gata podia acabar achando eram mais problemas, pois essa passarela de acesso ao cinema era de fluxo constante nos dias de sessão. Os gatinhos corriam bem mais riscos ali, não havia dúvida. Quando me dei conta desse risco, ainda maior porque bem naquele período aconteceria o Cine Ceará – que teria inúmeras atividades no local – tive a certeza de que tinha de fazer alguma coisa, ainda naquele mesmo dia. 

O que aconteceu a seguir foi invariavelmente muito rápido. Agilizamos a vinda de toda a família – os quatro gatos – para nossa casa. Mamãe ainda não estava bem certa de aceitar, mas acabou cedendo, também de alguma maneira penalizada pelo risco que os felinos corriam. Tivemos de armar toda uma operação para tal ato. Primeiro, a caixa maternidade foi transformada em uma jaulinha, pois era muito mais conveniente transportar os filhotes ali mesmo. A grande dificuldade foi mesmo fazer com que a mamãe gata colaborasse, entrando também. Após vários minutos de tentativas, ela finalmente consentiu, ficando quietinha lá dentro. Assim, selamos a caixa e fomos direto para casa. No trânsito, eu estava em um misto de euforia e receio. Era fantástico enfim trazer a gatinha para casa, claro, não havia dúvida, mas a preocupação seguia, agora multiplicada por quatro. Será que daríamos conta de todos aqueles gatos, tão inexperientes como éramos? Tudo era nebuloso, à medida que meu pensamento vagava perdido entre a noite da janela do carro e os miados que hora e outra vinham da caixinha colocada ao meu lado.



PARTE II - A chegada em casa

Chegar com os gatos em casa foi uma emoção completamente diferente de tudo o que senti até hoje. Não era nenhuma compra, nenhuma tecnologia revolucionária, nenhum objeto estúpido, eram tão somente gatos, o que poderia ser mais simples do que isso? Talvez justamente por isso tenha sido um momento tão marcante, tão glorioso. Eram vidas, vidas que tínhamos resgatado. Vê-los todos, ali, agora no chão de casa, foi um momento mágico e, sem qualquer experiência com animais, nos vimos subitamente inundados por aqueles seres tão graciosos, tão carentes. A mamãe gata estranhou um pouco, mas como não era boba tratou logo de conhecer o novo lar, e se pôs a andar por todos os cômodos da casa, enquanto a ninhada aguardava na caixa. Os primeiros dias foram bastante difíceis, estávamos todos nos adaptando, tanto nós como os gatos. Foi preciso reestruturar muita coisa, principalmente nossas vidas, para nos adaptarmos a essa nova realidade. 

Algumas coisas, porém, não mudaram. Colocávamos a caixa maternidade em um lugar tranquilo da casa, pouco tempo depois lá vinha a mãe e começava a carregar os filhotes para os locais mais malucos, como atrás de estante e móveis, muitas vezes até empoeirados. De início achamos ruim, tentamos trazê-los de volta, mas logo ela tornava a levá-los. Como estávamos na segurança de casa, não ligamos mais, deixando a mamãe gata seguir seus instintos. Com o tempo, todos os gatinhos abriram os olhos, e foram pouco a pouco saltando para fora da caixinha. A cada variação de seu crescimento, mais tínhamos de aprender para poder criá-los adequadamente, e muitas vezes a tarefa se tornava bem exaustiva. Felizmente, grande parte do esforço era recompensado, ao vermos aquelas criaturinhas ali, tão vulneráveis, tão inocentes, dormindo. Quando os vimos começando a andar, então, com aqueles passinhos trôpegos e desengonçados! Tendo os acompanhado desde o nascimento, foi muito gratificante. 





E seguiu-se o tempo, implacável como sempre, e logo os filhotes cresceram. Com cerca de dois meses, ainda mamavam, mas já comiam ração, bebiam água e, por conseguinte, precisavam fazer suas necessidades. Nós já tínhamos comprado uma caixa de areia, para uso da gata mãe, que felizmente nunca nos deu trabalho quanto a isso, pois sempre a usava. Aprender a limpar a caixinha de areia foi um divisor de águas. De início, eu usava a pazinha com certa timidez, sem ter bem certeza se estava fazendo corretamente. A prática logo veio, após uma dúzia de vezes, e essa tarefa – por incrível que parece – se tornou até prazerosa. Costumo até brincar, dizendo que é quase como o trabalho daqueles garimpeiros de ouro. A diferença é que o "ouro" que encontro aqui não vale muita coisa. 


O trio, com cerca de quatro meses




Uma das primeiras medidas que tivemos que agilizar foi levar todos ao veterinário. Era um mundo completamente novo para mim, Diego e mamãe. Sondar a vizinhança, as ruas conhecidas, a cidade, em busca de petshops, locais onde sempre passávamos indiferentes, mas que agora teriam significado. E logo vieram todos os protocolos comuns, todos os cuidados, as vacinas, vermifugações, reforços, consultas etc. Marinheiros de primeira viagem, tivemos de assimilar tudo isso, e dedicar todo esse tempo extra aos bichinhos, fundamental para a saúde deles.

Os filhotes logo passaram a usar o banheiro da mãe (ela mesma os ensinava a usar!), o que significaria uma dose extra de "ouro" para ser garimpado. E com isso fomos estabelecendo um vínculo cada vez maior com eles, uma interação tão afetiva como se sempre os tivéssemos tido. Foi difícil inicialmente, depois que começaram a andar, correr e principalmente saltar, estabelecer um local para eles, que até então ainda ficavam acomodados por dentro de casa. Felizmente temos uma garagem vazia à disposição, e lá foi feita a morada dos gatos, que vez ou outra ainda deixávamos brincar pela casa, relembrando assim os dias de suas primeiras infâncias, quando mal conseguiam subir no sofá da sala. 



Sabíamos, contudo, que não poderíamos ficar com toda a família felina, que apesar de estarem nos fazendo bem, era uma tremenda responsabilidade. Eu, como principal responsável, tinha de me virar para dar conta de toda a rotina diária deles e ainda manter minhas atividades. Por conta disso, inevitavelmente, tive de diminuir o ritmo de algumas coisas e até parar outras, como foi o caso do blog. Houve vezes que quase me arrependi de tê-los trazido, mas também houve muitas em que agradeci cada momento que já tinha passado com eles, toda a dedicação que pude lhes dar, por tudo que essa experiência tinha me feito crescer.

Nessa altura os gatinhos filhotes já estavam com cerca de três ou quatro meses. Já tinham desmamado. Era o momento de doá-los, mas a cada dia que passava, ficava mais difícil. Queríamos nos desapegar, mas já estávamos mais do que apegados. Já tínhamos lhes dado nomes, sem nos darmos conta do vínculo que isso criava. Ficava os acariciando às vezes até perder o tempo, sentindo a maciez do pêlo, relaxando e desestressando junto com ele. Volta e meia lá estava eu brincando com toda a turma, com um ratinho plástico ou um cordão velho, e apenas isso era para eles a maior alegria do dia, como um brinquedo para uma criança pobre. Quando brincava com eles, a diversão era mútua, pois sempre ria das peripécias que faziam para pegar a 'presa'.
Durante muito tempo, consideramos doar todos os filhotes e ficar com a mãe, que agora chamávamos de Ninha, depois pensamos em ficar com ela e mais um filhote, cogitamos também ficar com apenas um filhote, enfim, a única semelhança em todas essas possibilidades era que queríamos que os gatos doados fossem para pessoas de confiança, que gostassem de bichos, que soubéssemos que iriam cuidar bem deles e que de repente pudéssemos revê-los, em algum momento do futuro. Até o momento, não achamos essas pessoas. Mas agora fico a me perguntar: será que queremos mesmo achá-las?



O resto é história. Eu poderia dizer ainda muito mais aqui, de todo o desdobramento que estamos fazendo para cuidar da família felina do dia em que chegaram aqui, ainda em setembro do ano passado, até hoje, mas isso levaria provavelmente mais o dobro dessa postagem. Independente do destino que terão os gatos, conosco ou doados, tenho a certeza de que eles nos fizeram muito mais bem do que imaginávamos. Foram capazes de, de certa maneira, nos tornar mais humanos, mais sensíveis. Hoje, sempre que vemos um animal abandonado, nos compadecemos mais, como que aptos a ajudá-los, revoltados com o descaso que o levou a estar ali, vagando sem destino. É uma triste realidade, que agora enxergamos com outros olhos. 
Bom, senti a necessidade de comentar essa história aqui, para, além de registrá-la, mostrar como há coisas que acontecem que mudam bastante nossa vida, que nos direcionam a caminhos impensados, que acabam revelando valorosos propósitos. Fico pensando às vezes, que se fosse por minha vontade, provavelmente nunca me interessaria em ter um gato, digo ir a um petshop para comprar um e tal, não. Esse caso foi bem insólito, pois foi longe de ser premeditado. É como dizem por aí, afinal, não somos nós que escolhemos o gato, e sim ele que nos escolhe.