Frases


"O coração que se ganha é o que se dá em troca"Marcelino Freire



quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Mergulho no grafite

Este é um post especial! Primeiro por celebrar os sete anos que este blog está no ar (completados em agosto, como passa rápido...), depois por inaugurar também seu novo visual, uma mudança que eu aliás vinha querendo fazer há muito tempo, mas que me chega em boa hora, coincidindo com mais este aniversário. Vamos em frente! Há alguns meses, tive uma oportunidade bastante especial, durante uma tradicional atividade cultural aqui de Fortaleza, o Percursos Urbanos.

O Percursos Urbanos, organizado pelo sociólogo Júlio Lira, consiste em passeios semanais pela cidade, sempre aos sábados, com o intuito de revelar novos olhares sobre a metrópole, através de visitações a bairros e municípios, sempre com temáticas culturais, sendo portanto uma ótima oportunidade para redescobrir a cidade e sua cultura. São gratuitos e qualquer pessoa pode participar. Já tinha ouvido falar deste projeto há algum tempo, mas nunca tinha conseguido ir. Como as coisas só acontecem no seu devido tempo, foi neste sábado em questão que tudo se configurou para que enfim pudesse estar em um dos percursos, e o fiz na companhia de meu querido irmão, Diego Akel. 

O percurso deste dia seria sobre grafites, as populares marcas e inscrições deixadas em paredes. Eu estava bastante curioso, nunca tinha feito nada com grafites, aliás conhecia bem pouco a técnica, e fiquei ansioso para ver do que se tratava, como seria a proposta. Faríamos os moldes? Aplicaríamos? Em qual muro ou parede? Daria tempo fazer tudo isso? As perguntas surgiam, à medida que o momento se aproximava.

E na tarde daquele sábado, chegamos ao local que abriga os Percursos Urbanos, o Centro Cultural Banco do Nordeste, aqui no centro de Fortaleza. Num revés de imprevistos coroados pelo trânsito, acabamos chegando bem atrasados (os percursos tendem a começar rigorosamente às 15h). Numa das salinhas do lugar, encontramos já a turma reunida, acompanhada pelo mediador da vez, Marquinhos Abu. Pelo que percebi, ele certamente já devia ter dado uma explanação básica do processo, talvez mostrado alguns exemplos e agora todos se achavam debruçados nas duas ou três mesas que haviam ali, recortando e desenhando em enormes folhas de papel, já criando o que viriam a ser os futuros grafites. Perguntamos se ainda seria possível participar, cumprimentamos todos, e logo nos juntamos ao grupo, de início ainda meio deslocados, buscando nos aclimatar na medida do possível.



Além das folhas de papel A3, havia uma variedade de canetas, lápis e outros materiais. Diego, que já tinha feito alguns trabalhos com técnicas do stencil (o molde vazado), começou a me explicar como fazer, o que deveria ser desenhado ali para que se conseguisse o efeito de impressão. Fiquei atento a ele, e também ao que faziam as demais pessoas à minha volta. "Agora é só desenhar alguma coisa aí pra recortar", disse Diego. E foi aqui que a situação embaçou. Não pela questão do desenho, pois ultimamente consegui retomar bastante este gosto, mas mais pelas dimensões daquele papel; enorme, gigantesco, se comparado aos papeizinhos pequeninos que frequentemente venho usando. À uma primeira vista, intimidava toda aquela brancura, todo aquele vazio. O que fazer? Diego logo começou a fazer o seu. Não tínhamos muito tempo, dentro de poucos minutos deveríamos sair, para aplicar os trabalhos.

Tenho sido muito inspirado a desenhar pelo ambiente em que estou, procurando observar o que está em volta, para assim começar a traçar, buscando captar algo da realidade como ponto de partida. Assim tenho feito várias pequenas poesias visuais que publiquei nos últimos meses em meu outro blog (veja aqui). Para este desenho do grafite, não foi diferente. Comecei a avaliar o que havia por ali: pessoas, mesas, pequenos objetos e cadeiras, muitas cadeiras. Simpatizei logo com a forma da cadeira, simples e ao mesmo tempo complexa, bem como o que esta significava em si. Rabisquei, olhando uma que estava a alguns metros. No meio do processo, percebi que não precisava me concentrar em detalhes ou texturas, que não apareceriam, uma vez que aquele desenho seria apenas para a forma, a base do grafite, e assim fui delimitando a cadeira e suas curvas. Mas apenas a cadeira não bastaria. As outras pessoas faziam pequenas mensagens, juntas ou não aos desenhos, ajudando a compor o que queriam dizer. Quis seguir essa linha – é aliás uma linguagem que tenho adorado explorar, lá no outro blog, mesclando desenhos e textos. Assim, decidi que minha cadeira tinha de dizer algo. Teria de fazer letras grandes, o que limitaria bastante o espaço, ou seja, seja lá o que fosse escrever, tinha de ser curto, sucinto, como um raio. A ideia era desafiadora, principalmente por ter de resolvê-la em minutos, estávamos em cima da hora, várias pessoas já tinham terminado seus modelos.

Foto: Ivonísio Mosca 




Sentar e Ouvir me veio assim, num rápido pensamento, e de início o achei até meio bobo, simples demais. Eram ações básicas quando se tem uma cadeira em mente. Senta-se e geralmente ouve-se. Mas justamente por ser um ato simples e comum, me pareceu interessante para destacar. Talvez tentando refletir algo que está meio em falta hoje em dia. Todos querem falar, o tempo todo, todo o tempo. Poucos ouvem, poucos sentam e ouvem. É uma ideia que me motivou, e encontrar duas palavras para sintetizar isto, ajudado pela simbologia da cadeira, foi bastante interessante. Aos mesmo tempo, é uma mensagem livre, que pode ser encaixada em múltiplos contextos.

Com o modelo pronto, veio a hora de recortar. Tínhamos pouco mais de dez minutos. O momento do recorte trouxe sua própria dificuldade, uma vez que precisava haver um planejamento do que recortar ou não para que se mantivesse a integridade da imagem no papel. Diego me auxiliou, enquanto analisávamos as partes da cadeira que deveriam ser recortadas; um corte a mais ou a menos poderia por tudo abaixo. Com tudo esquematizado, recortei o mais rápido que pude, temendo que não fosse conseguir terminar a tempo. Ao meu lado, Diego também recortava o seu: uma figura de um olho, cheio de contornos e estilizações, bem a sua cara.


A cadeira levou uns minutos para deixar o papel, mas as letras despregaram-se rapidamente, bastando  seguir seus contornos. E logo estava diante de mim a folha vazada, pronta para ser grafitada. Olhei, me afastando um pouco, achando bacana, e já bem ansioso para ver como ficaria preenchida de tinta e estampada numa parede. Eu ainda guardaria as letrinhas e a forma da cadeira, para aproveitar em outras ideias, como esta. Deixamos a sala praticamente no limite do horário, juntamente com o restante do grupo.

Seguimos então para o ônibus. Sim, havia um ônibus à disposição do projeto. E já nesses breves momentos era possível sentir a energia que se gerava entre aquelas pessoas, à medida que íamos conhecendo uma ou outra, e esse contato aumentaria quando chegássemos ao ponto escolhido para se usar o spray. Os percursos trazem ainda mais esse trunfo: a socialização que se cria, involuntariamente, com as demais pessoas, que passamos a conhecer naquelas breves horas. Era um público bastante variado, de todas as faixas etárias, muito motivado com a oportunidade.

A intervenção foi feita numa parede já utilizada anteriormente numa outra vez que o Percursos abordou o grafite como tema, de modo que havia autorização para grafitá-la à vontade. Não lembro exatamente onde ficava, mas ali mesmo nos arredores do centro da cidade. O mediador levou várias latas de tinta spray e tão logo descemos do ônibus, explicou como manuseá-las, posição e pressão dos dedos. Todos foram se espalhando, procurando espaços limpos no muro e logo comecei a ouvir o som característico do spray, bem como sentir aquele pesado cheiro de tinta no ar.



Foi uma sensação bastante única estar ali, naquele momento. Com uma das latas em punho, me aproximei da parede, observando com curiosidade a já vastidão de marcas que havia nela. Busquei um espaço, apoiei o stencil e com a outra mão posicionei a boca do spray. Não era um processo tão simples quanto parecia, pelo menos para quem não estava acostumado. A pressão que se deve fazer com o dedo precisa ser uniforme, segura, e fui percebendo isso aos poucos, à medida que via a nuvem de tinta ser disparada, entre engasgos, e pouco a pouco cobrir o vazio da parede. E lá estava a cadeira! Lá estava o sentar e ouvir! Incrível, ver a imagem ali, marcada na parede, era muito diferente de vê-la apenas no molde, era como se de fato estivesse viva. Um processo tão simples, e talvez por isso tão mágico. A forma da cadeira, as letras, tudo pareceu funcionar muito bem, muito melhor do que eu jamais imaginaria. Gostei da brincadeira, e segui espalhando a cadeirinha por onde mais conseguisse, na extensão do muro, trocando as cores da tinta e melhorando os resultados a cada aplicação, motivado pela empolgação da novidade.

Foto: Ivonísio Mosca


Olhei em volta, percebendo ainda os trabalhos das outras pessoas do grupo, que também iam aos poucos "carimbando" a parede. Havia os mais variados tipos, de mensagens e desenhos até protestos e achei interessante como eles pareciam, invariavelmente, refletir um pouco a personalidade de seu autor. Todos ficavam eufóricos a cada aplicação, ao ver seu desenho estampado, via-se nos rostos e olhares sorridentes. Logo os espaços vazios se limitaram às partes mais altas da parede e coube aos mais altos favorecer para que todos continuassem a brilhar (ou mesmo com a ajuda de banquinhos), e assim começamos a trocar além das tintas os próprios stencils em si, compondo uma grande salada de tons e figuras, risos e sorrisos.



Um detalhe bastante curioso foi que bem ali, ao lado de onde estávamos, na mesma calçada, havia vários vendedores ambulantes, em apenas mais um dia comum de trabalho. Não pude deixar de perceber como eles estranharam, claro, a repentina chegada de nosso grupo. O que teriam pensado? Foi engraçado protagonizar aquele momento, ver aquelas reações, aquela mistura de susto e curiosidade vindas daquelas pessoas simples que lutavam dia-a-dia por sua sobrevivência. Alguns ainda perguntaram o que era aquilo que fazíamos, embora a maioria mantivesse apenas os olhares intrigados.




Quando as paredes se mostraram suficientemente cheias, teve ainda quem quisesse grafitar o chão, e logo vimos um monte de marcas surgirem, quase como pegadas desordenadas, ao longo da calçada. A intervenção ganhava rumos impensados, engrandecendo ainda mais a experiência. Após alguns minutos, já mais familiarizado à técnica, resolvi fazer como via os mais experientes fazerem: usar duas cores. Para isso, era necessário aplicar uma, depois mover um pouco o papel e aplicar a segunda. O resultado é a imagem com uma camada extra, uma profundidade, quase com se saltasse aos olhos.


Foto: Ivonísio Mosca

Foto: Ivonísio Mosca

Uma das cores mais cobiçadas foi o vermelho. Ouvimos dizer que havia uma lata, mas esta nunca chegou à nossa mão. Vimos muitos pretos, verde, marrom, mas nada de vermelho, a não ser já aplicado nas paredes. Onde estava? Diziam que estava com fulano, com sicrano, e finalmente que tinha acabado. O mais perto que conseguimos foi um roxo, mas o vermelho bem que teria sido uma boa combinação com o preto.

Logo chegou o fim de tarde, anunciado um pouco antes com a retirada dos vendedores ambulantes, que assim acabaram por nos ceder as partes da parede nas quais estavam instalados. Num fôlego renovado, todos atacaram o novo espaço como formigas devorando doce. Mas com o sol prestes a se pôr, por volta das 18h, retornou nosso ônibus, o percurso chegava ao fim. O trajeto de volta ao CCBNB foi tranquilo, com todos conversando sobre a tarde, e víamos novamente aqui os laços que se criavam naqueles minutos tão breves, como mesmo uma pequena família, unida por um ideal, pelo grafite.

A atividade foi muito bem registrada por todos os celulares dos que estavam presentes. Boa parte das fotos mais destacados do grupo, porém, vieram das lentes de Ivonísio Mosca, um amigo que fizéssemos lá, que já acompanha o Percursos Urbanos há bastante tempo (o projeto existe desde 2003), sempre mais dedicado a registrar fotos dos passeios. Gentilmente, mostrei ao longo desse post algumas fotos dele, para reforçar as que eu consegui fazer, mesmo com as mãos sujas de tinta.

Eu, meu irmão Diego e Ivonísio Mosca. Foto: Ivonísio Mosca

Como minha primeira experiência no Percursos Urbanos – e também no grafite – foi muito gratificante. Apesar de um pouco incerto no início, tudo se configurou de maneira tão natural no decorrer das etapas que parecia quase algo que sempre fiz. Gostei muito do contato com a arte dos stencils, tanto que após esse dia comecei a pensar em investir mais nessa área. Também gostei bastante do resultado de meu stencil, que, modéstia à parte, acabou bastante elogiado por todos, quando comentei que nunca tinha feito nada parecido antes, era a primeira vez. Essa vivência me significou muito, e mesmo já tendo passado algum tempo (foi em junho), deixou em mim memórias muito especiais, tanto que quis fazer esse post para de alguma maneira concretizar um pouco dessa sensação. Penso cada vez mais que há tanta coisa nesse mundo, tanta coisa boa para aprender, tanta coisa que talvez até já saibamos, e pensamos não saber, e ignoramos sequer conhecer. O mundo está aí para ser descoberto, basta sentar e ouvir.




quinta-feira, 30 de junho de 2016

Rumo à FLIP 2016!



Haha, quem diria que já se passou um ano da última Flip!

Nossa, faz tempo que não apareço aqui, o blog anda meio parado; ando mais focado em meu outro blog, o denisakel.wordpress.com , no qual tenho feito posts rápidos e constantes, experimentando formatos, com desenhos e fotos (além de textos), enfim, convido a conhecerem :D

Por aqui no Diálogos, ainda planejo uma mudança visual no blog, e tenho alguns posts encaminhados para logo mais também.

Mas o destaque deste post de hoje é novamente uma menção à FLIP, que começou ontem! A 14ª edição do Festival Literário Internacional de Paraty esse ano homenageia a poetisa Ana Cristina César, uma bem-vinda homenagem a uma autora ainda pouco conhecida, embora seja um dos principais nomes da chamada poesia marginal, movimento de contracultura que tinha entre os objetivos propor críticas aos conservadorismos da sociedade da época. Ana C. teve uma vida breve, mas intensa, e será lembrada com inúmeros eventos e exposições, além de ser forte tema de discussão nas mesas da tenda central.

Acreditei não poder ir à festa esse ano, mas as engrenagens da vida às vezes dão essas guinadas, meio bruscas, meio em cima da hora, e quando vemos já estamos redirecionados! E lá vou eu! De maneira bem mais leve e informal do que fui ano passado, agora já conhecendo bem esta atmosfera que paira nesta época em tão especial cidadezinha.

A FLIP 2016 acontece de 29 de junho a 3 de julho, em Paraty-RJ!

Informações totais no site oficial: http://flip.org.br



sexta-feira, 25 de março de 2016

FLIP 2015 – (FINAL - Conclusão)


Fotos: Denis Akel
Vídeos: Denis Akel / Diego Akel

Veja Também:
Série Memórias FLIP 2015
Post I - Paraty e seus encantos 
Post II - As mesas que assistimos 1/3
Post II - As mesas que assistimos 2/3
Post II - As mesas que assistimos 3/3
Post III - Livros, curiosidades e observações 

E eis que finalmente me vejo diante do último post desta extensa série! Nossa, parece que foi ontem ainda que comecei a escrevê-los. Mais, parece que foi ontem que cheguei de Paraty! Depois de passar estes últimos dias novamente imerso nesse universo, é bem essa a sensação que sinto. Neste post final, partilho vídeos de algumas de nossas explorações no centro histórico, mais algumas fotos, e ainda um pouco de como foi meu processo em escrever toda esta série.

ANDANÇAS PELO CENTRO HISTÓRICO

Um dos maiores destaques de se estar em Paraty, além da Flip, foi o centro histórico. Andar e explorar as ruelas, sentir aquele clima tão convidativo, respirar o ar libertador, ao nos jogar em uma realidade tão diferente, foi extraordinário. Nos primeiros dias, porém, foi um pouco difícil nos localizarmos, como chegar aos locais, mas graças ao mapa que havia no folheto de programação, logo nos acostumamos, à medida que também criávamos pontos de referência nos restaurantes e lojas. A cada nova passada por ali, ficávamos mais familiarizados, integrados, e sempre deslumbrados. O vídeo abaixo filtra um pouco de todas essas sensações:




Já no video abaixo, meu irmão mostra um pouco de sua visão sobre minha visão, um passeio contemplativo por minhas experiências na Flip durante esta vivência. Vários dos muitos momentos que narrei aqui ao longo de toda essa série estão neste vídeo, que sintetiza nossos olhares e sensações:


Diálogos Visuais: FLIP 2015 - Contemplações e sensações from Denis Akel on Vimeo.




MAIS ALGUMAS FOTOS

Talvez não haja muito mais o que mostrar, de diferente do que já tenha mostrado nos posts anteriores, mas seguem mais algumas fotos, de momentos aleatórios da festa literária, e da cidade de Paraty. Imagens que refletem a energia maravilhosa que pairou na cidade durante e depois da Flip:














Por falar em fotos, durante o processo de selecionar as que postaria aqui (desde o primeiro post) percebi nelas bem mais do que tinha percebido no momento que as tirei. É interessante olhar para as pessoas que por acaso saem, que estão andando ou mesmo nas filas e por acaso saem na foto. Fico às vezes pensando quem são, qual serão suas histórias? Como e por que tinham ido à Flip? Onde estarão hoje? Talvez nunca tenha essas respostas, mas é curioso imaginar. Alguns rostos aparentam simpatia, outros são mais fechados, sérios, uns escondem-se em óculos escuros, outros exibem largos sorrisos, é toda uma vida que acontece em volta, retida no momento da foto e que esquecemos de perceber, pois direcionamos geralmente um olhar mais abrangente. Algumas das fotos que tirei acabam evocando muito essas sensações, e fico instigado, maquinando prováveis histórias para cada uma daquelas pessoas, típicos personagens da vida. Tudo é inspirador.







Fazia muito frio na cidade, às vezes mesmo durante o dia. À visão de todos com seus casacos e agasalhos, nos sentíamos quase numa cidade da Europa. Um ritmo bem característico podia ser visto ali. Não havia pressa ou correria, todos transitavam calmamente pelas ruelas, desfrutando aquele momento, encantando-se com a cidade e sorrindo mesmo ao ter que tomar cuidado ao andar pelo chão de pedras traiçoeiras. Até nos últimos dias, no auge do movimento, essa ordem não se rompeu totalmente. Era um caos controlado, saudável.




























BASTIDORES: MEU PROCESSO DE CRIAÇÃO DESTES POSTS

Escrever esta série sobre a Flip estava de alguma maneira em minha cabeça desde sempre. Desde antes mesmo de ir ao evento, sempre coloquei aqui no blog menções a ele ou mesmo breves postagens com base no que assistia da transmissão online. Sonhava em um dia estar lá. Esse dia chegou, e a oportunidade de poder ir a Paraty, de viver tudo aquilo de perto, traria também a necessidade de se escrever sobre isso, o que me fascinava tanto quanto a ideia da vivência em si. Estava claro para mim que escreveria muito sobre essa viagem, sobre essa experiência tão única.

Muita gente pergunta como lembro de tudo tão bem, principalmente agora, em meados de 2016, meses depois. Fiz um mapa geral de todas as ideias e temas que queria desenvolver nestes textos, tão logo voltamos de viagem, lá em agosto de 2015. Esquematizei mais ou menos quantas seriam, e fiz esse planejamento já imaginando que poderia demorar muito a concluir este projeto, de modo que, através dele, conseguisse recordar ou ter tudo o que precisaria para continuar mesmo com muito tempo passado. Foi algo similar ao que fiz em outras séries de postagens extensas, como as da bienal do livro, mas nessas da Flip a dedicação foi maior, por tudo nela também ter sido maior, mais intenso. Os registros que fiz durante a viagem também foram cruciais, na figura do diário (tanto no caderno, como no celular) e as muitas fotos que tirei, muitas vezes para marcar um momento que sabia que seria referido quando depois sentasse para escrever. Em termos gerais, era como resolver um quebra-cabeças, eu buscava encaixar tudo o que eu tinha para criar uma unidade.




Outros comentaram que estava escrevendo muito, posts muito extensos. Talvez, mas prefiro olhar por outro lado. A primeira coisa que tive em mente quando quis escrever sobre essas vivências na Flip foi justamente não me limitar, deixar fluir tudo o que quisesse e sentisse que devesse dizer. A oportunidade de ir à festa literária foi, como repeti ao longo de todos os posts, um sonho realizado. É possível limitar um sonho? Reduzi-lo? Encurtá-lo? Sonhos são expansivos, flexíveis, ilimitados. Assim, me senti livre para narrar os fatos com naturalidade, deixando fluir essa torrente que jorrava de mim, mesmo que isso significasse um punhado de linhas a mais. Essas narrativas são, sobretudo, um registro pessoal, um recorte de uma realidade, uma tentativa de fazê-la viver além do tempo.

Desde quando ainda estava em Paraty, comecei a planejar mentalmente como faria para postar aqui tudo (ou quase tudo) que trouxesse de vivências e experiências. Sabia que não conseguiria condensar isto em um só post, e sabia também que isso não seria bom, seria demais para se jogar assim, de uma vez. Dividir os temas foi a medida inicial, e o fiz, primeiramente num papel (estes mostrados acima). Era o primeiro planejamento. Dali comecei efetivamente a escrever. Percebendo que tinha muitas ideias a desenvolver, decidi usar capítulos para dividir o texto, algo que nunca tinha feito aqui antes, e gostei; organizam melhor as ideias e sintetizam os assuntos de maneira mais uniforme.

As fotos foram um capítulo à parte. Ao todo tirei mais de novecentas. Em cada post, costumo alternar um pouco texto e fotos, fazendo o possível para que a imagem complete o que escrevi e vice-versa, assim aumentando a imersão no tema. Claro que seria impossível publicar todas as fotos aqui, então foi preciso selecionar, de uma por uma, para que se encaixassem da melhor maneira. Esse processo foi bem desgastante, principalmente nos últimos posts, onde há mais fotos, e sempre se fica a impressão "será que essa é melhor mesmo? E essa outra?".




Mesmo já tendo uma base bem sedimentada para criar estes posts, não foi tarefa fácil fazê-los ficar da maneira como eu imaginava (se é que ficaram). Muito tempo se passou, da data da Flip para cá. Fiz as duas primeiras ainda no auge do clima, mas logo vieram outras viagens, tive sérias perdas na família e isso embolou bastante a situação dos posts futuros. Passei dias nebulosos até me reestruturar. Depois, fiquei meio perdido, sem saber como retomar, como concluir. A solução foi reler tudo o que já tinha escrito, rever todos os papéis, fotos, quase como se os visse pela primeira vez. Somente assim consegui me nutrir de novo, reencontrar a direção, para conseguir finalizar a série tal como ficou. Era preciso, sobretudo, lapidar o caminho para que eu mesmo pudesse trilhá-lo.

Os três últimos posts foram feitos a passos de tartaruga. Apesar de dedicar boas horas dos dias desse início de ano a eles, foram precisos vários processos: organizar as fotos e vídeos, pesquisar mais os livros e autores que citaria, rever minhas anotações, as coisas que trouxe, sentir novamente o que sentira e, mais do que tudo, buscar as melhores palavras para descrever tudo isso. Às vezes estas etapas fluíam rápido, noutras terrivelmente lento, o que é incrivelmente normal quando se escreve.

Meu quadro de anotações bastante tomado pela Flip

Algumas pessoas comentavam ainda para que eu simplificasse os últimos posts, mas isso não me fazia sentido. Quis me ater ao que idealizara quando ainda estava em Paraty. Quis que estes últimos mantivessem a essência dos primeiros, escritos na ebulição da chegada, que continuassem refletindo aquela sensação. Mesmo tendo um mapa mental de tudo o que ainda queria fazer, sabia que não seria assim da noite para o dia, e tive de ser paciente, sobretudo comigo mesmo, à medida que via pouco a pouco os posts ganharem corpo.

Após todos esses processos, com tudo pronto, costumo reler inúmeras vezes todo o post, primeiro conferindo se tudo está mais ou menos onde deveria, e cortando ou adicionando o que precisar (tarefa que parece nunca acabar). Depois tento me distanciar, ler como se fosse uma pessoa que por acaso se deparasse com este texto, com uma visão menos crítica, e ver se consigo me empolgar, me cativar por ele. É uma das partes mais divertidas, é sempre muito bom olhar para o que fazemos esquecendo um pouco que somos os autores, parece que assim valorizamos mais.






Uma constante que sempre me invade os pensamentos quando faço posts extensos aqui é que talvez pudesse ter dito mais sobre isso ou aquilo, ou talvez menos. É difícil mensurar limites, como disse lá em cima, quando não se quer ter limites. Em vez disso, prefiro pensar que poderia não ter dito nada, afinal, decidir fazer essa série até o final já foi muito, uma iniciativa exaustiva, mas que vejo agora com um sabor muito especial, adicionando este que é o tempero final.

Cheguei a perder ainda vários trechos do texto por problemas no blogspot, o que me deixou bastante irritado e desanimado. Não nego que fui desatento em não salvar um backup, mas dadas as circunstâncias nas quais escrevia na época, acabei não me preocupando tanto com isso. Quando depois procurei o que tinha escrito e me deparei apenas com o branco da tela, me senti tão vazio quanto ela. Quem escreve sabe como dói perder um texto, ainda mais por uma razão tão estúpida como essa. É quase como ser roubado, um roubo silencioso, um roubo de ideias. Pensa-se que não conseguiremos fazer tal como fizemos, e de fato não conseguimos, mas prefiro considerar quase como um desafio pessoal, em fazer agora melhor do que da primeira vez, e foi com esse espírito que me debrucei a reescrever os textos perdidos.

No celular ou no caderno, registros que foram as bases para estes posts



Momentos finais da preparação deste post

A cada novo post publicado, me sentia realizado, e meio surpreso por ter conseguido de fato engendrar e realizar toda essa produção. E logo já mergulhava a começar o próximo, igualmente surpreso, mas agora ao ver o aparente vazio do editor de texto do blogger e imaginar o que conseguiria colocar ali, até a finalização do post. E esse sentimento me volta agora, ao escrever essas linhas, ainda antes de publicar este último, e perceber mais uma vez essa realização.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ida à Flip, como deixei transparecer ao longo de todos esses textos, foi uma experiência espetacular, sem precedentes, um sonho realizado. Agora, após vários meses, os efeitos desta viagem ainda me são muito marcantes, principalmente depois de escrever tudo o que escrevi nestas postagens, depois de praticamente revisar e revisitar todas essas sensações. Foi, antes de tudo, um investimento que valeu cada centavo. Percebo agora mais do que nunca o quanto vale a pena investir em viajar, em se abrir para mundo. Li recentemente um artigo que dizia isso; viagens nos são muito mais proveitosas do que qualquer objeto físico, investir em uma viagem é investir em nosso crescimento como pessoa e, enquanto objetos e coisas estão sujeitas à ação do tempo, as viagens vivem para sempre em nós, nos moldam, definem. É incrível como muita gente prefere gastar com futilidades, apequenam a vida, não agregam ao mundo.

A vivência em Paraty nesse total de quase dez dias foi maravilhosa. Além da cidade, da qual já falei bastante anteriormente, o povo era muito hospitaleiro. Quando estávamos conversando com os locais, nos comércios, ou mesmo com pessoas de outros estados e dizíamos que éramos de Fortaleza, todos exclamavam: – nossa, que longe! Sim, era longe, e quase nos fazia sentir que vínhamos de outro país. A iniciativa de sair de Fortaleza para estar ali foi muito elogiada por aquelas pessoas, que viam em nossos olhos o brilho do sonho realizado.

A mídia alardeou aos quatro ventos que esta Flip foi menor, reduzida, por conta da crise econômica. Várias pessoas que conhecemos lá também disseram que as estruturas estavam mais modestas, as tendas menores do que nos anos anteriores, os shows simplificados... bobagem! Podiam dizer o que fosse, mas para nós, que íamos pela primeira vez, tudo era incrível, tudo era grandioso, era nosso primeiro referencial daquela festa, nada parecia fora do lugar.

No entanto, uma coisa que posso dizer, apesar de tudo, é o fato do evento ser um pouco elitista. É um dos maiores (senão o maior) festival literário do país, mas não é muito acessível. É preciso se fazer um grande investimento para se estar ali. A estadia em Paraty, na época, que também é época de férias, já consome uma boa fatia desse investimento. Boa parte da programação é gratuita mas os ingressos para entrar na tenda dos autores chegam a custar 50 reais. Adiciona-se a isso alimentação e eventual verba para se comprar algum livro ou coisa parecida. Não que a Flip seja um lugar apropriado para se comprar muitos livros, já que não há promoções significativas, uma vez que não é uma feira do livro, mas sempre é possível achar uma ou outra coisa que valha também esse investimento, como citei no post anterior. Ainda assim, acho infinitamente melhor investir e gastar numa viagem dessa do que numa infinidade de eventuais coisas que ou não usamos ou usamos pouco ou logo compramos outra "melhor".



Fizemos bons amigos e contatos em Paraty, como a querida Gertrudes, que conhecemos numa fila, as pessoas das pousadas e mesmo alguns dos palestrantes da Flip. Trouxemos muito deles conosco, de sorrisos e simpatias, e mesmo de desconhecidos, daquelas dezenas de pessoas, vindas de todo o país e mesmo de outros países, que víamos todos os dias transitando pelo centro histórico, com suas personalidades tão distintas, trajes e trejeitos, uma riqueza cultural que passava assim diante dos olhos, e que mesmo por poucos instantes, marcou profundamente.

Agradeço muito a meu querido irmão, Diego Akel, sem o qual provavelmente não teria abraçado essa chance tão especial, e teria passado mais um ano vendo a Flip da tela do computador. Diego além de tudo foi uma companhia extraordinária, em todos os ambientes. Conversávamos muito, como sempre conversamos, discutindo ideias e projetos que aquela vivência nos inspirava. Muito dos nossos atuais trabalhos, e futuras publicações, é fruto exatamente de viagens como essa.

Destaco novamente a experiência de manter o diário no caderno (citado no post anterior), que me fez despertar ainda mais para a importância dos registros de memória. Atualmente, continuo registrando, fatos curiosos do dia-a-dia, pensamentos, sensações soltas, e também desenhando, gravando momentos através de imagens. É um registro muitas vezes bem mais profundo que uma simples foto, pois ao desenhar, nos apropriamos de cada detalhe do que vemos, diferente da foto, onde confiamos mais na câmera do que em nossos olhos. Venho tornando este hábito cada vez mais comum, como comer ou dormir, e é incrível como liberta o olhar, e passamos a enxergar bem mais do que achamos que podemos.

E é isso, chego então ao fim dessa longa narrativa, muito satisfeito de vê-la enfim concluída. Apesar de planejar, os posts cresceram mais do que imaginei, e por isso também quis comentar um pouco de como foi fazê-los. Sei que poucas pessoas lerão tudo o que contei ao longo de toda a série, mas espero que as pessoas certas leiam, mesmo que demore dias, meses ou anos. Estes relatos são sobretudo impressões de alguém que tinha um sonho e teve a chance de realizá-lo. O que seria da vida se não tivéssemos sonhos? Sonhar é combustível do viver. Vamos fazer acontecer, vamos mergulhar fundo, nos lançar ao mundo. Como diz Ray Bradbury, vamos nos jogar e construir as asas no caminho!

E logo mais vem mais uma FLIP! Esse ano será de 29 de junho a 03 de julho, homenageando a poeta Ana Cristina César. Detalhes no site oficial do evento.



Dedico este post, bem como a série inteira da Flip, à memória das perdas que tive. Grato por tudo o que fizeram por mim.