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"O coração que se ganha é o que se dá em troca"Marcelino Freire



quarta-feira, 3 de abril de 2013

Bienal do Livro do Ceará 2012 - III (Márcia Tiburi)



Fotos e vídeo: Denis Akel

Enfim, e antes tarde do que nunca, fechando as postagens referentes à X Bienal Internacional do Livro, ocorrida ano passado, agora falarei um pouco sobre a participação da escritora e filósofa Márcia Tiburi, um dos destaques da atração (quase tanto quanto as apresentações musicais). O encontro aconteceu no penúltimo dia de bienal, no sábado, 17 de novembro.

Não tenho nenhum livro de Márcia, mas já li alguns de seus artigos, como também assisti a algumas de suas palestras em programas como o Café Filosófico. Suas palavras expõem o comportamento e pensar humano com grande personalidade, além de certa rebeldia, transformando e instigando a mente. Assim, quando soube que ela estaria presente nesta edição da Bienal, não pude deixar de agarrar essa grande oportunidade.

Ao contrário de como foi com Ignácio de Loyola Brandão, não foi difícil localizar a sala onde ocorreria a palestra de Márcia. A maioria das pessoas com as quais cruzei no caminho também estavam indo para lá. O auditório estava já bastante lotado, e novamente tive de pegar um lugar mais atrás de onde gostaria. Uma vez sentado, tratei logo de pegar minha caderneta, onde passaria a anotar os trechos mais marcantes da palestra, os quais tentarei repassar ao longo da postagem.

O mediador, após uma estabilidade da entrada de pessoas, iniciou a conversa, falando algumas palavras introdutórias sobre a autora, e em seguida lhe cedendo a palavra, sob fortes e ruidosos aplausos. Márcia Tiburi abriu a palestra pedindo desculpa pelo atraso (prevista para as 15:00, começou só às 15:30). Ela se justificou, mencionando a falta de comunicação por parte da equipe da bienal, que não entrou em contato. Os minutos se passaram, o horário marcado se aproximava, e nenhuma comunicação. Preocupada, não soube o que fazer. Viu vans na porta do hotel, pensou ser para ela, mas não eram. Acabou sendo obrigada a tomar um táxi por sua conta, para chegar logo ao centro de eventos, ou perderia ainda mais a hora.

O público aplaudiu a sinceridade e coragem de Márcia ao revelar estes fatos tão inesperados. Não lembro, porém, de depois ter havido alguma explicação do porquê dessa falha de comunicação. Uma situação vergonhosa, devo dizer, para receber uma pessoa que se dispôs a vir dar a palestra e logo depois já voltaria para sua cidade, São Paulo, onde já teria outra palestra.

Márcia começou expondo alguns conceitos que diferenciam a literatura da filosofia, apesar da grande cooperação que há entre as duas áreas. Segundo a autora, a filosofia consegue ter uma proposta educacional maior que a literatura, uma vez que a literatura é tão pouco valorizada no Brasil. Contudo, ela diz que filosofia não pode ser ensinada ou transmitida às massas. Há um grande desinteresse geral, e para ela o melhor público para falar sobre são mesmo seus alunos, bem como estudantes realmente interessados.

Um dos momentos mais curiosos do debate foi quando ela falou dos típicos frequentadores de shopping centers, pessoas com hábitos compulsivos de comprar, muitas vezes coisas supérfluas, que nunca serão usadas, e de como as pessoas podem gastar tanto tempo em tais atividades, repetidas vezes até. Foi uma crítica um tanto severa até, uma vez que generalizou demais o público que costuma frequentar esse tipo de ambiente, porque nem todos são realmente assim "cegos" como ela afirmou. Inclusive, na hora das perguntas do público, um professor que assistia da plateia, contestou esta questão, alegando que as pessoas que segundo Márcia estavam perdidas, comprando inutilidades, poderiam mesmo assim estar se sentindo felizes e realizadas, que não se podia julgá-las ou condená-las por tais atos, afinal, se isso as fazia se sentir bem, felizes, tinham mais era que seguir esse ideal. As ideias deste professor serviram como lenha na fogueira, gerando um ótimo debate, e fez Márcia ponderar tais questões. Os dois trocaram mais algumas palavras, com o professor compartilhando em alguns detalhes o ponto de vista de Márcia, que o chamou de colega.

O vídeo abaixo, apesar do áudio precário, retrata alguns destes e de outros momentos:


As festas de natal e ano-novo também foram alvo de algumas de suas críticas. Da típica troca de presentes familiar ao puro comercialismo promovido pela mídia, Márcia pontuou tudo como uma grande falsidade, na qual se perde o real sentido da comemoração e visa-se apenas o bem material, ou ainda, agradar ou desagradar alguém, meramente por interesse. Concordo com ela, afinal é bem isso que datas como essa representam para muitos de nós, sufocados pela febre do consumismo. 

Ela então falou como começou seus estudos, de seu gosto por poesia, que sempre lhe fez encher vários cadernos com textos e mais textos em sua adolescência. Sua paixão pela escrita a levaria a se enveredar completamente no mundo literário, no qual busca uma realidade. Além de prosa, a autoria viria a escrever  contos, crônicas, crítica, poesia, romance, mesmo inicialmente não se sentindo capaz de tantos desdobramentos. Comentou não gostar de romances (apesar de ter passado a escrevê-los), uma vez que não gosta da sua estrutura tradicional, a qual comparou a "contar historinhas pra dormir". Depois que passou a escrever literatura, mudou sua maneira de escrever filosofia, que se tornou mais selvagem, mais intensa. Nas palavras dela, literatura e filosofia juntas constituem o universo da linguagem. 

Quanto ao ato de publicar, ao sentido legítimo da publicação, Márcia foi precisa: "percebe-se que não se está sozinho, apesar de literatura ser um ato solitário". Concluindo seu pensamento, ela disse que literatura não tem lugar no Brasil, e que exercê-la por aqui só mesmo por puro amor, uma vez que há pouco rendimento financeiro. Ainda sobre o ato da escrita, a autora citou uma frase de Lobo Antunes: escrever é deixar de atrapalhar os outros. Quanto a seus livros favoritos, ela não citou nenhum em específico, disse gostar de ler livros difíceis, que a façam ler de novo, pois assim passa a aprender e conhecer coisas que desconhece. Condenou ainda quem lê muitos livros rapidamente, dizendo que assim não se retém muito conteúdo. Márcia Tiburi disse também que não quer ser reconhecida por se aproximar de nomes como Machado de Assis, mas sim unicamente por sua selvageria e ousadia no texto.

Sobre internet, a autora disse que é um ótimo local para se fazer guerrilha literária e filosófica, uma vez que pessoas nas redes sociais têm falta de combatividade, e são facilmente suscetíveis a textos e conteúdos. Segundo ela, o ser humano de hoje é preguiçoso, ausente de reflexão, e por isso a filosofia deve ser usada de todas as formas possíveis, respeitando a vontade de quem faz, para assim desmistificá-la. 

Um outro tema levantado foi o poder tudo que este traz consigo. Será que o poder é realmente o que achamos que é? Para Márcia, o poder é ruim, pois gera violência, caos, situações ruins e desagradáveis. Para ela, estudantes têm de ser desobedientes, ir contra o poder. A escritora se diz desobediente, e ser feliz assim. Concluiu essa parte dizendo que os obedientes gostam do poder, e são devorados por ele. 

Por parte da plateia, veio ainda um dos melhores comentários da ocasião, quiçá de todo o evento. "Deveriam distribuir um livro para cada pessoa que espera nas filas de shows da Bienal, assim o evento seria bem melhor". O autor da sentença, Ramon, foi largamente aplaudido por todos, inclusive por Márcia, que achou isso genial. Ramon, após todos se acalmarem, agradeceu e elogiou Márcia, dizendo ouvir música em suas palavras. Com certeza, se essa ideia vingasse, a Bienal do Livro seria muito mais do livro do que da música. 

Longe de mim querer julgar, mas preciso apontar também alguns pontos que me desagradaram um pouco. Apesar de tantos momentos interessantes e propensos à reflexão, a escritora também pareceu demonstrar um pouco de arrogância em alguns pontos da conversa, como que julgando muito sem conhecer exatamente sobre o que falava. Ao falar de livros e leituras, deu a entender que só o seu gosto prevalecia, criticando e condenando severamente as pessoas só porque liam determinado livro. Ora, mas se essa ou aquela leitura fazem alguém feliz, o que há de mal nisso? Era evidente sua personalidade forte, que se transmitia neste modo de pensar. Ao menos não lhe faltava sinceridade, apesar de às vezes ela ter soado meio como um 'personagem', principalmente ao fazer algumas piadinhas típicas e quase bobas.

Próximo ao final, Márcia comentou que, para se sentir diferente, fugir da mesma direção, ultimamente tem aplicado em sua vida a política do "pensar ao contrário", que consiste em inverter a lógica das coisas, quebrar o óbvio. Essa conduta, segundo ela, a leva a relevar algumas trivialidades da vida, em atitudes comuns como receber o troco de alguma compra, ou querer que algo saia exatamente como o planejado. Assim, ela se liberta um pouco de tanta obrigação de ter de fazer tudo sempre certo e perfeito, uma rebeldia justificada pela quebra da monotonia. Esse modo de pensar, inclusive, é bem interessante, pois nos faz aprender a ver o lado bom de tudo. Há uma ideia similar num livro do autor Paul Arden, do qual falarei aqui em breve.

Abaixo, mais algumas frases e colocações marcantes da autora, ditas durante a palestra:

"Cada livro é uma aventura. Aventura para quem escreve e aventura para quem lê"

"Será que a gente escreve para ficar sozinho ou fica sozinho para escrever?"

"Ler um livro também é um esporte radical"

"Filosofia para mim é uma exposição de pensamento, tal como literatura"

"As pessoas devem fazer o que quiserem pois assim tudo vale a pena"

"Filosofia não pode ser guardada. Um livro de filosofia já é por si só um paradoxo"

"Devemos nos dar conta de que existimos, e do quão louca é essa existência, pois somos todos, antes de tudo, animais"

"Não é tão preciso estudar os filósofos para saber filosofia. Basta haver uma experiência de diálogo, de troca, de pensar junto"

Ao final, a plateia manifestou-se em efusivos aplausos, aos quais Márcia respondeu com sorrisos. Em seguida, ela se dirigiu para uma mesinha à entrada da sala, onde já havia desde o início uma pilha de seus livros. Uma fila de pessoas rapidamente se formou à sua frente. Estava iniciada uma breve sessão de autógrafos. Acompanhei de perto a movimentação, o entusiasmo das pessoas, ao cumprimentá-la, e ter seu livro autografado. Márcia parecia retribuir muito bem o carinho dos fãs:







Enquanto observava o momento do autógrafo, e fazia essas fotos, não pude deixar de lembrar da Bienal de 2010, de momentos similares, onde escritores como Pedro Bandeira e Ziraldo autografaram suas obras. Perceber essa atmosfera, de reconhecimento, prestígio e honra é sempre gratificante, e faz repensar bastante sobre o rumo cultural de nosso país, onde a literatura ainda tem tão pouco espaço. 

Pensei em entrar na fila para falar com ela, agradecê-la pelas palavras, mas acabei não fazendo isso; havia ainda alguns expositores que gostaria de visitar antes do fim do dia, que já era o penúltimo da Bienal. Espero através desta postagem ter podido expressar meu agradecimento. Márcia não demorou muito a cumprimentar todas as pessoas da fila e logo em seguida deixou o centro de eventos, já rumo ao aeroporto, como ela dissera, de onde já iria para outra palestra, em São Paulo.

Sem dúvida, foi para mim um dos melhores momentos desta bienal. O relacionamento de Márcia com a filosofia e literatura gerou ideias muito distintas, que buscaram desmistificar o conceito e utilização de ambas as áreas. Ficou evidente o estreitamento que há entre elas, e como uma pode fazer bem à outra. Também foi uma boa introdução às etapas necessárias para se publicar um livro, um processo demorado, que muitos que desejam ser escritores ainda desconhecessem. Márcia foi bem no cerne da questão, mostrando que literatura precisa ser, antes de tudo, feita com amor, para assim poder se pensar em algum retorno financeiro, no decorrer de uma longa estrada, em se tratando de nosso país. Uma palestra rica de conteúdo, que como qualquer outra teve seus altos e baixos e divergências de opiniões, mas semeou uma interessante e selvagem visão do mundo, descomplicando e integrando o universo da linguagem de uma maneira bem peculiar. 

Para finalizar, deixo a colocação final feita por ela: "O mundo é um livro e a gente segue lendo o que puder"

Esta postagem deveria ter sido publicada antes, mas por motivos pessoais, só pude finalizá-la agora.  Apesar do tempo passado, o foco da palestra de Márcia Tiburi é atemporal, e continua fortemente em evidência. Obrigado a todos que leram minhas postagens referentes à X Bienal Internacional do Livro do Ceará, e a todos envolvidos em sua produção!



2 comentários:

  1. Adorei o post!!
    Sou muito fã da Márcia Tiburi, e quando ela veio em Santa Maria, também tive oportunidade de vê-la de perto filosofar.

    Peço licença pra linkar:
    http://companhiadepapel.blogspot.com.br/#!/2013/08/trafico-de-influencia-3.html

    Abraço, Camilla

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  2. Legal, Camilla, é sempre bom assistir a palestras como essas, não é? Incrível como conseguem mexer conosco.

    Curioso você deixar esse link, que traz este clássico do Moacyr Scliar em destaque. Scliar é um dos meus autores favoritos. Tenho alguns posts aqui também sobre ele, que considero uma de minhas principais influências.

    Esse blog é seu? Fiquei fascinado pelo conteúdo! Seus posts me parecem muito agradáveis e dinâmicos, e já adicionei aqui aos favoritos, para lê-los com calma!

    Grande abraço, obrigado por comentar e nos vemos por aí!

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