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"O coração que se ganha é o que se dá em troca"Marcelino Freire



quinta-feira, 27 de setembro de 2012

FENOMA 2012 (I) - Bastidores da vinheta



Entre os dias 14 e 16, Fortaleza foi palco de mais uma edição do FENOMA, Festival Nordeste de Mágicos, evento que já está na sua nona edição, e que traz o melhor da arte mágica para a cidade. É engraçado pensar que até pouco tempo atrás, eu sequer sabia da existência de um evento assim aqui na cidade, e que agora, após seu término, vejo o quanto o mundo dos mágicos está inserido na capital, o quanto intensa essa arte está aqui representada.

Estive mais próximo do FENOMA do que jamais imaginaria estar, talvez, porque fomos, meu irmão e eu, os responsáveis pela vinheta de abertura do festival. E é bem nesta parte que começa a história que contarei a partir daqui, de como um show de mágicos pode descortinar caminhos tão próprios.

Inicialmente, tudo começou há algum tempo atrás quando meu irmão, Diego Akel, me falou sobre a proposta que recebera, de fazer uma vinheta para um festival de mágica que aconteceria em setembro aqui na cidade. Na hora, já fiquei entusiasmado, primeiro por não saber que existia algo assim por aqui, depois por imaginar as possibilidades que isso traria. Tínhamos acabado de concluir o curta Balada do Guarda Roupa e um novo projeto era mais do que necessário.

Diego me contou, por alto, um pouco de como seria a animação: haveria uma espécie de camarim, que mostraria vários mágicos se preparando e executando truques, depois uma menção a Luiz Gonzaga, devido ao seu centenário em 2012, e por fim uma interação com o mágico real que abriria o show. Essa ideia geral veio da mente de Marcos Queiroz, que encomendara o trabalho, e mesmo tendo de segui-la, tínhamos boa liberdade para explorar planos, cenários, mágicas e possibilidades. Diego quis que eu participasse efetivamente do projeto, criando um roteiro para a animação, com base nos elementos que tínhamos. Assim, embarquei e abracei logo a ideia.

Tivemos uma reunião com Marcos, que descobri ser o presidente de uma associação de mágicos locais, o NUAMAC, cerca de 1 mês antes do evento, que até então eu ainda sequer sabia que se chamava Fenoma. Nesta conversa, entendi mais claramente o que Marcos pretendia. E enquanto Diego acertava com ele quanto a que estilo a animação teria, eu, entre uma colocação e outra, anotava ideias e possíveis rumos e caminhos para o roteiro que bolaria. A ideia geral era produzir uma vinheta de 40 segundos, que seria exibida em um telão no teatro, em loop (repetindo-se), momentos antes do início do show, e que desde então atrairia a atenção das pessoas, de maneira visual e sonora, seria quase como boas-vindas ao fascinante mundo da mágica.

Ainda nesse primeiro encontro, fomos apresentados a um elemento que teria grande importância na vinheta: a cartola de cartas. Essa cartola, que pertencia ao próprio Marcos, que aliás também é mágico, seria o elemento de interação. Através dela, o mágico que abriria o show se "comunicaria" com a vinheta. De certa forma, ele a tiraria "de dentro" da projeção. Ou seja, a cartola representava o elo do efeito que se queria passar.

Cartola que seria usada tanto na vinheta, como no show


Já a menção a Luiz Gonzaga foi uma breve homenagem sugerida por Marcos. O rei do Baião terá seu centenário celebrado agora em dezembro. Diego, a princípio, sugeriu que os mágicos fossem criando o Gonzagão aos poucos, em meio a truques e passos de mágica, mas nada estava decidido ainda, então  tentamos explorar uma maneira melhor, mais suscinta, de fazer essa menção.

Ao final dessa reunião, Diego decidira que os desenhos dos mágicos seriam feitos livremente inspirados numa linha próxima ao estilo tradicional de animações UPA (como Mr. Magoo), que dariam um ar cômico e de certa forma clássico à vinheta. Marcos, satisfeito ao ver um dos primeiros esboços já finalizados, consentiu, e nos deu bandeira branca para começar a produção. A cartola foi deixada conosco, para referência, e antes de sairmos, ainda descobri que Marcos, além de mágico, é também médico! Momentos antes do fim da reunião, ele vestiu um jaleco e disse: "Agora sai o mágico e entra o médico!". Rimos. A transformação se deu assim, quase num passe de mágica, literalmente falando. Diego brincou: "Doutor Mágico, não é?" Ao que Marcos, sorridente, respondeu: "Esse é exatamente meu nome artístico, Doutor Mágico!"

Abaixo alguns dos primeiros esboços e estudos que fizemos, mostrados nessa primeira reunião:

Arte de Diego Akel









Com os esclarecimentos desse primeiro encontro, já podíamos visualizar, ainda na mente, alguns rumos interessantes para a vinheta. Diego começou a fazer esboços, a treinar o traço, uma vez que fazia um bom tempo que ele não fazia uma animação desta forma, talvez desde O Facínora, de 2006. Ultimamente seus trabalhos estão com uma cara mais experimental, mais livre, solta. Agora, com a oportunidade trazida por esta vinheta, seria quase como voltar às origens.

Nos dias seguintes, fomos, Diego e eu, a alguns Cafés (é sempre interessante para relaxar a mente um ambiente fora de casa) para digerir o que tinha sido dito. Filtrei alguns pontos importantes do que Marcos falara, numa folha de papel, e começamos a divagar, livremente, sobre como seria a vinheta propriamente dita. Essa parte do processo é muito legal, pois pode-se criar praticamente tudo, pensar os maiores absurdos, ainda que dentro das limitações que tínhamos.

Joguei todas as ideias, certezas e incertezas que tínhamos, no papel. Daqui saiu a base e o conceito final para a vinheta

Primeiramente, listamos o que teríamos para trabalhar: mágicos, a cartola, truques de mágica, Luiz Gonzaga e os cenários. Pensei que a cartola, como elemento principal (por ser o elo da interação pretendida) poderia figurar bastante, e imaginei que poderia haver quase uma briga em volta dela, como se somente com ela a mágica acontecesse, como se a cartola tivesse um quê a mais.  Os truques poderiam ser feitos em um cenário que lembrasse um camarim, e não seria difícil inserir Luiz Gonzaga em uma dessas cenas, mas ainda faltava algo: um personagem central, que conduzisse e completasse toda essa sequência de ações e, principalmente, que chegasse até o fim para entregar a cartola ao mágico.

Pensamos a princípio em um mágico atrapalhado, que estivesse apreensivo para o início do show. Seria um personagem bem engraçado, careca, baixinho, gorducho. Ele perceberia que estava sem sua cartola, e iria até o camarim, buscá-la. Lá, seria surpreendido já de cara por uma revoada de pombos, produzidos por um outro mágico, que os tirava exatamente da dita cartola. Irritado, o baixinho toma a cartola dele, mas sequer respira direito, já a tem tomada de si, por um outro mágico, que, usando-a, começa a fazer o mini-mágico (era o nome que tínhamos bolado para ele) levitar, alucinadamente. Até que a cartola é novamente surrupiada por mais um mágico, e isso quebraria a levitação, causando a queda do pobre mini-mágico, além de também deixar em aberto a questão do truque só ter sido possível graças à cartola. O mágico seguinte, com a cartola, começaria a tirar de dentro dela vários objetos típicos do mundo da mágica: lenços, coelhos, argolas, bolas e por último o próprio mini-mágico! Bastante insatisfeito, ele tomaria novamente a cartola para si, sairia para outro ponto do camarim e colocaria a cartola no chão, ao lado do último mágico a figurar, que chutaria a cartola, virando-a para cima, daria um toque com sua varinha e surgiria Luiz Gonzaga, acompanhado de um som característico de sanfona. Perplexo, o mini-mágico, já irritado, pula para cima dele e o "encolhe" de volta na cartola, pegando-a novamente para si e desatando a correr. Ele segue no corredor em direção ao palco, onde apresentaria seu show, mas tropeça na escada. Veríamos a cartola rolar, e teríamos um fade com ela fechando a câmera, em seguida tudo isso se repetiria. Esse seria o loop de 40 segundos. A parte da interação – que só seria exibida uma vez por noite – teria seu diferencial a partir da parte da escada, onde ele não tropeçaria. Chegaria ao palco, para fazer seu show, e seria exatamente a hora da interação, do início do show propriamente dito. A princípio ele relutaria, mas entregaria, com um sorriso, a cartola, para que o mágico real, que com um truque, a faria aparecer em sua mão. Estava começado o show.

Imagens de conceito, com estudos para os personagens, que incluiam o mini-mágico e os demais mágicos:








Esse foi o enredo base que nós montamos para trabalhar. Diego, à medida que eu falava, ia desenhando as cenas no storyboard, e aos poucos víamos a coisa engrenar. É incrível como desenhos de storyboard são dinâmicos, me arrisco a dizer que muitas vezes acabam melhores até do que o resultado final. Quando fechamos o storyboard, com todas as cenas, os primeiros 40 segundos, e depois o momento da interação, com mais 20 segundos, vimos uma boa unidade na história, embora algumas arestas ainda tivessem que ser aparadas.



Trio de imagens com o storyboard completo


Arestas estas que foram aparadas na segunda reunião com Marcos, o Doutor Mágico. Na ocasião, fomos apresentados aos simpáticos mágicos Goudini e Éflem, que também participariam do FENOMA. Mostramos o storyboard, discutimos amplamente sobre as cenas, os planos utilizados, a técnica de animação. Diego mostrou um teste animado. As opiniões dos três mágicos foram valorosas e contundentes, ao darem ideias e sugestões, que nós rapidamente anotávamos. Ninguém melhor para pegar referências do que os próprios mágicos, afinal. E tivemos uma enchurrada delas. Desse encontro, já vimos a necessidade de fazer várias modificações. E a primeira delas era tratar nosso personagem central não como um mágico, mas como uma espécie de diretor do espetáculo, ou chefe de cerimônia, que se esforça a pegar a cartola para dar ao mágico real. Diego, inclusive, já tinha pensado em fazer isso antes.

Tal ação aceleraria bastante o processo, pois cortaríamos algumas cenas adicionais, onde coisas cairiam de seus bolsos, ou ele faria algum truque com a varinha. Como estávamos quase a uma semana do evento, optamos por seguir essa linha. Mas, no final, esses possíveis detalhes que fortaleceriam sua caracterização como mágico acabaram nem fazendo muita diferença. Ele já estava tão atrelado aos demais personagens, ao universo mágico, que não se precisou dizer mais nada. Por mais que tentássemos instaurar uma imagem diferente, ele continuou o mini-mágico, ou o mágico atrapalhado, como disse Marcos nos agradecimentos na noite de encerramento do FENOMA.

Outra modificação foi o trecho final, após o tropeço. Veríamos agora apenas ele e a cartola caindo, e o vulto de uma cortina fecharia a cena, recomeçando do início em seguida. A cena da cartola rolando, aproximando da câmera, consumiria muito mais tempo para ser feita. Essas e outras pequenas exugadas no roteiro original deixaram o filme mais afinado, mais focado no que queria comunicar.

A etapa seguinte foi a pesquisa. Enquanto Diego pesquisava referências de cartoons e desenhos clássicos para a elaboração dos personagens, eu busquei na internet por trajes típicos e comuns de mágicos, representações visuais de objetos, coelhos, pombos, enfim, uma vasta gama de material para ajudar a enriquecer os figurinos e cenários que iríamos compor. Era preciso conhecer bem o terreno onde estávamos pisando. Foi nessa etapa do processo que resolvemos colocar mágicos bem diferentes entre si, dos clássicos, passando pelos casuais, e até mesmo um indiano.


Tabelinha geral com todas as cenas e andamentos

Depois de acertado e definido o visual de nosso protagonista, o mini-mágico, Diego começou a trabalhar nos demais mágicos. O tempo já estava um pouco apertado, então as versões finais eram quase as primeiras desenhadas por ele. Quanto a mim, em tese, por já ter contribuído na história e na pesquisa, minha parte estaria terminada. Mas não seria justo deixar tanto trabalho nas costas dele, uma vez que mesmo simplificada em várias cenas, a grandeza da animação ainda era intimidadora, pelo menos no pouco tempo que tínhamos, e considerando que éramos basicamente nós dois na linha de frente. Assim, assumi a parte de preenchimento de cor. Diego fazia as cenas, agrupava os frames, gravava-os num pen-drive, e eu, em outro computador, preenchia as cores de um por um, em um processo no mínimo exaustivo, mas que gostei de fazer. Depois, voltava as imagens para ele, e assim seguimos, nessa rotina, durante cerca de uma semana inteira. Tivemos ainda a grata colaboração da amiga Francimone Campos, que contribuiu em parte do processo de colorização de cenários e personagens.

Abaixo alguns dos planos, em seus primeiros estágios de desenvolvimento:














O Fenoma teria início na sexta, 14 de setembro, e iria até domingo, 16. Aconteceria esse ano no teatro do Centro Cultural Dragão do Mar. Com a vinheta cerca de 70% pronta, combinamos de ir até lá, para fazer os primeiros testes e ensaios com a questão da projeção, e como seria feita a interação. Diego já tinha ido uma vez antes, reconhecido a tela, que tinha cerca de 3 metros de altura, e imaginado muita coisa para a vinheta. Dessa vez, porém, tínhamos já como ver algum resultado.

Conhecemos lá o mágico Ryan Rodrigues, que dirigiria os shows e apresentações. Ele já estava por dentro da ideia de Marcos, tivemos apenas de mostrar o storyboard e a versão beta da vinheta, que nesse momento já foi bem vista por ele e os que ali estavam presentes, acompanhando os ensaios. Esse, inclusive, foi um outro lado muito proveitoso de termos participado deste festival: assistir aos ensaios, absorver essa atmosfera. Vimos o ensaio de uma coreografia que envolvia letras nas camisas dos mágicos, que se movimentavam no palco, formando palavras. Neste dia, vimos ainda o mágico japonês Shoot Ogawa, um dos destaques do festival, sentado tranquilamente na plateia do teatro, acompanhando os ensaios, enquanto ouvia músicas japoneses em seu computador. Depois ele próprio foi ensaiar alguns truques no palco. O interessante era que, por quase todos ali serem mágicos, havia uma atmosfera muito integrada, de amizade, companheirismo, união. Os truques iam sendo compartilhados, divididos, a mágica transbordava e encantava, mesmo antes do início oficial do festival.

Fizemos testes e ensaios com o que tínhamos de pronto da vinheta. Para tal, foi montado o enorme projetor no palco. A imagem era projetada não pela frente, mas por trás, o que gerava um efeito muito interessante de sombra, caso alguém passasse por trás da tela. Tal efeito chamou a atenção de Ryan, que na hora decidiu mudar um pouco a maneira como a interação seria feita. Inicialmente, o mágico que abriria o show, iria pela frente do público, e, num passe de mágica, 'pegaria' a cartola das mãos de nosso personagem, o mini-mágico. Na nova versão, agora idealizada, veríamos apenas a silhueta do mágico que interagiria direto com a vinheta, chamando sua atenção, por trás da projeção. O mais importante da interação, a passagem da cartola, permanecia inalterada, exceto pelo lado de onde o mágico agora a receberia.


Nos ensaios, acompanhamos a preparação para a passagem da cartola

Saímos do teatro nesse dia com apenas mais algumas alterações para fazer. Os próximos dias foram de intensa atividade. Eu, que até esta etapa do processo apenas coloria com cores pré-definidas, agora já experimentava definir cores para os personagens, para agilizar o trabalho. Assim, fui pintando os mágicos que ilustram a vinheta, combinando cores que ressaltassem suas personalidades. Também colori nossa versão do Luiz Gonzaga, e segui dando suporte a Diego na medida do possível em todo o resto da finalização, que incluia cenários e montagem.

A cartola, que mostrei no início desse texto, inicialmente seria desenhada, como todo o resto, mas dada a sua singularidade (cheia de cartas de baralho e afins), optamos por fotografá-la e inseri-la digitalmente. O recorte ficou bem bacana e combinou bem com os traços e movimentos dos personagens.

Já a trilha sonora usada, foi de uma biblioteca sonora da Apple, os Apple Loops, disponíveis gratuitamente pra uso. A música dialogou bem com as cenas e o ritmo. Com a vinheta totalmente finalizada, aguardamos a chegada do dia 14, sexta-feira, onde teria início o FENOMA 2012.

Bom, continuarei falando, agora sobre o festival em si, a versão final da vinheta e sua exibição, os shows dos mágicos, e até de nossa vontade de seguir carreira de mágico, no próximo post dessa série!

Segue, ainda, o animatic, que é basicamente o storyboard animado, que foi peça fundamental para determinar tempo e ritmo de cenas na versão final:


domingo, 2 de setembro de 2012

Livro: Sem medo de viver



Algum tempo atrás, escrevi aqui um pouco sobre um livro de Augusto Cury (De gênio e louco todo mundo tem um pouco), que tinha ganhado de presente. Não sabia muita coisa sobre o autor, mas a ideia geral já me soou interessante, a ponto ter conseguido "furar a fila" de outras leituras que eu tinha em vista. A vida é sempre feita de escolhas, e mesmo a entre dois livros pode representar bem mais do que imaginamos.

Pois, de certa forma, este fato se repetiu, mas dessa vez com Max Lucado. Já conhecia, bem do alto, alguma coisa de sua obra, mas não me imaginava lendo algum de seus livros (ao menos por hora), até que o livro que ilustra esse post chegou às minhas mãos. De início, foi apenas para checar, ver do que se tratava, curiosidade literária, uma olhadela rápida por entre as páginas. A maneira como a questão do medo era posta em xeque por Lucado, porém, me fisgou e, antes que percebesse, já tinha lido as trinta primeiras páginas.



Não sei como são os demais livros do autor, mas pude ver uma boa aproximação dele com sua obra, a partir do ponto que insere fatos de sua própria vivência, deixando o todo com uma cara mais transparente, mais realista, mais próxima do leitor. O irmão de Lucado, sua esposa, filhas, amigos, todos figuram constantemente, demonstrando um lado humano, que muitas vezes passa meio longe da visão que temos de um autor, principalmente de um tão amplamente divulgado e alardeado pela mídia.



Ao longo deste livro, também, fica evidente a forte religiosidade de Lucado (até então, não sabia que ele era pastor), uma vez que há inúmeras citações bíblicas, geralmente usadas para exemplificar condutas, passar ensinamentos, transmitir virtudes, que atravessam os tempos bíblicos e chegam aos dias de hoje com a mesma intensidade. São as parábolas de Jesus.

Essa interessante aproximação com o livro sagrado desperta um olhar curioso, mais ainda a quem ainda não se aventurou muito nessas águas. Lucado cita parábolas que trazem à tona alguns dos medos mais comuns a afligir a humanidade, medos estes dissolvidos pelas palavras divinas. Em um dos capítulos, discute ainda o medo de que Deus não exista, sempre apoiado pelos alicerces da bíblia. O livro pode até ser encarado, algumas vezes, como um certo "processo de evangelização", mas prefiro observá-lo de uma maneira mais aberta, com o amplo e contundente valor literário e, acima de tudo, humano, que há nas entrelinhas de suas páginas.



Como falei antes, o autor menciona diversas situações de sua própria vida, expõe seus medos, demonstra sua incapacidades, ao mesmo tempo que cita também seus porto-seguros, seus guias, como superou estes momentos. O tempo inteiro busca abrir os olhos do leitor, para aquilo que muitas vezes é um medo errôneo, sem motivo ou razão, como, aliás, são a maioria deles. O medo, até certo ponto, é saudável, inerente ao ser humano. O problema é quando ele começa a controlar a nossa vida, quando coloca suas rédeas sobre nós.





Entre a abordagem dos capítulos, estão medos comuns e amplamente discutidos, como a própria origem do medo, o medo da falta, medo de não ser importante, medo de grandes desafios, medo da violência, medo do futuro, medo da morte, entre outros. Essa divisão facilita a leitura, pois possibilita os capítulos de serem lidos em qualquer ordem, uma vez que cada um é bem específico, quase como se fossem mini-livros reunidos.





Todo livro sempre é uma valorosa surpresa, mas muitas vezes os que lemos porque procuramos ou fomos indicados não são bem aquilo que esperávamos. Já aqueles que chegam de repente, sem ter sido previstos ou planejados, acabam por nos surpreender, por nos atingir de uma maneira especial, por comunicar algo que sabemos que somente ele poderia tê-lo feito. Foi uma sensação mais ou menos assim que tive ao ler esse livro de Max Lucado. Não pude, inclusive, deixar de marcá-lo de cima a baixo, praticamente, ressaltando trechos e passagens memoráveis. Fazer marcações em livros, inclusive, são excelentes! São quase como novos livros escritos por nós. Vou falar sobre isso depois, em outro post.



Não sou nenhum especialista na bíblia, o que provavelmente me impossibilitou de ver algumas coisas neste livro, é verdade, mas já me considero mais próximo, mais enriquecido de seu conteúdo, uma vez que o livro me abriu a novas portas de compreensão e percepção. Portanto, ele pode se estabelecer ainda como uma interessante ponte ao livro sagrado. Ao final, há ainda um guia de discussão, onde são usadas mais várias referências bíblicas, direcionadas aos medos abordados ao longo do livro.

Além de suas vivências, e do amplo rol bíblico empregado pelo autor, vemos também inúmeras referências de personalidades e figuras célebres, tais como o cantor e ator Dean Martin, o jogador de futebol americano Noble Doss, o grande golfista Byron Nelson, além do cineasta Woody Allen, e dos escritores Yann Martel, Tolkien, e C.S. Lewis, que ilustram casos curiosos de como o medo ou dúvida pode se manifestar na vida. Há ainda comentários sobre a fantástica e incrível história evolvendo o médico judeu Boris Kornfeld e o então soldado russo Alexander Solzhenitsyn.




Um dos fatores, porém, que me desagradam no livro, é algo que acaba sendo sempre inerente a uma obra tão difundida, ou a um nome como o de Max Lucado. É tão simplesmente o "Mais de 65 milhões de livros vendidos", que acaba atuando quase como um outro sobrenome do autor na capa do livro. Será que é mesmo necessária essa conduta? É o que me questiono sempre que vejo esses ditos "best-sellers". Essa jogada de marketing é tão comum que já nos acostumamos a ela. E mais, é ela que deve ser a responsável por boa parte das ditas vendas. Pode-se pensar: "Nossa, tantos vendidos, deve ser um bom livro!". Não querendo desmerecer esse ou aquele livro, por trazerem esta espécie de rótulo, principalmente porque tanto o autor como a editora querem vender seu trabalho, seu produto, e lutarão para tal,  mas e os livros que não venderam milhões de exemplares? Deixam de ser bons por isso? E mesmo esses milhões vendidos, será que cada uma dessas pessoas realmente usufruiu a obra, ou apenas serviu para aumentar as estatísticas? E essa questão vai bem além da literatura, chegando também ao cinema, música, etc. Meu propósito não é repudiar ou atacar o mercado de marketing, mas apenas sugerir que não nos deixemos levar apenas por dados e estatísticas para comprar ou usar algo. Muitas vezes, o que é menos vendido, ou menos conhecido, pode ter bem mais a dizer. Acredito que o melhor a fazer é confiar em nosso próprio instinto, ao invés de se deixar guiar por números ou listas.

Livros não mudam pessoas, mas mostram caminhos. Escolhemos ou não segui-los. Talvez ler este não signifique superar de uma vez todos nossos medos, mas nos dará uma consciência, um panorama do que o medo poder representar e roubar de nossa vida. Reagir e lutar contra ele é uma escolha nossa. Viver sem medo é viver plenamente, evitar preocupações desnecessárias. Viver não o passado ou o futuro, mas o presente. Nos atirar sem receios nessa maravilha que é viver, usufruir de tudo o que quisermos e pudermos, enquanto neste mundo. É um ideal que muitas vezes nós mesmos afastamos, por motivos e razões que dariam praticamente outro post como esse, mas é como diz Max Lucado: troquemos o medo do próximo inverno pela fé, afinal de contas, é tudo como dinheiro de Banco Imobiliário. Tudo volta para a caixa quando o jogo acaba (Trecho final do capítulo 9).