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"O coração que se ganha é o que se dá em troca"Marcelino Freire



segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Teatro e dança: As Três Irmãs


OBS: Fotos de divulgação do espetáculo, retiradas do Google (exceto as duas referidas).


Já estava previsto fazer esse post há pelo menos uns três meses, época em que ele 'aconteceu', mas somente agora pude enfim terminá-lo. Não sei se o espetáculo ainda está sendo apresentado...

Desde que assisti à peça A Galinha Degolada, ganhei grande interesse por teatro, por várias razões, entre elas a tênue linha que há entre ele e a literatura, como mencionei na postagem sobre a peça, bem aqui.

Alguns dias passados dali, voltei ao SESC Iracema, aqui em Fortaleza, e deparei-me com um anúncio de outra peça: As Três Irmãs. A apresentação seria na semana seguinte. A princípio, imaginei ser uma adaptação da obra homônima, um clássico do escritor e dramaturgo russo Anton Tchékov, o qual muito admiro. Pensei, de cara, que seria algo parecido com o que vi na adaptação do conto de Horácio Quiroga, naquele outro dia. Fiquei bastante entusiasmado, até perceber, pelo cartaz, que não se trataria de uma encenação tradicional, mas de um espetáculo de dança, realizado pela Paralelo Cia de Dança. Contudo, ainda não muito familiarizado às estruturas teatrais, imaginei que haveria alguma narrativa, talvez contando uma parte da história ou algo parecido. Pelo sim, pelo não, resolvi procurar a peça para ler antes de assistir à apresentação.



Graças ao Google, não foi nada difícil achá-la, e naquele mesmo dia comecei a ler. Não era um texto rápido, como eu já desconfiava. A peça era composta por quatro atos, que juntos totalizavam 54 páginas. Ávido para ter logo uma visão geral da história, antes de assistir à adaptação teatral, dediquei um bom tempo dos dias seguintes a essas páginas.

Já no primeiro ato, percebi a força dessa obra. Personagens densos, ambientação precisa, grande carga filosófica e psicológica. Tudo se mesclava em diálogos intensos, formando uma atmosfera que prendia facilmente.
A trama desta que é uma das mais célebres peças de Tchékhov gira em torno de três irmãs, como diz o título. São elas Irina, Olga e Macha. As três vivem há anos em uma província russa, mas, desacreditadas da vida (exceto Irina, a mais nova), levam uma rotina monótona, e acreditam que voltar a Moscou, cidade onde passaram a infância, seja sua única esperança. Entre os demais personagens, estão ainda Andrei, irmão das três, vários militares e outros de apoio. Mas depois voltarei a falar da obra original.

Bem que me esforcei, mas não consegui ler tudo antes do dia da encenação. Li três atos, suficientes para já ter uma boa noção da trama. Imaginei ser mais do que o suficiente, uma vez que sequer tinha a certeza de que seria mesmo uma adaptação, o que, portanto, tornaria essa leitura não tão importante. Quando voltei ao SESC, no dia marcado, vi várias fotos de divulgação da peça, próximo à bilheteria. Por elas, pude ver, agora claramente, que se tratava mesmo de um espetáculo exclusivamente de dança. Três moças em poses de bailarinas. Não parecia haver mais nenhum personagem em cena e, pelas fotos, o cenário se resumia a um sofá.




Confesso que a princípio fiquei um pouco receoso, e até ligeiramente desanimado ao perceber que seria mesmo algo bem diferente do que eu tinha imaginado. Porém, pensei por alguns instantes. Seria uma oportunidade de ver algo novo, ainda desconhecido para mim. Um espetáculo que priorizaria o movimento e sua fluidez de uma maneira única. A Paralelo Cia de Dança ia apresentar um espetáculo inspirado na obra de Tchékhov, que não necessariamente buscava estabelecer um elo entre a literatura e a dança. Foi com estes pensamentos que comprei o ingresso e tomei um lugar à plateia.

No centro do palco havia um sofá, sobre o qual jazia um ursinho de pelúcia. Próximo do móvel, pendendo do teto, preso a algo que parecia um cabo, estava um buquê de rosas. Todos eles, sofá, ursinho e buquê, seriam peças importantes no desenrolar do espetáculo. Eis que surgem então as três atrizes. As três irmãs. Irina, Olga e Macha, e começam a executar suas coreografias.





Durante toda a apresentação, que durou cerca de 50 minutos, observei com grande fascínio todas aquelas evoluções. A coreografia tinha muita suavidade e leveza, sendo conduzida por uma música envolvente, com altos e baixos, em um ritmo e sintonia extaseantes. As três atrizes ora interagiam juntas, ora se afastavam, independentes, ficando quase isoladas uma da outra, usando toda a extensão do palco. Era como se cada uma estivesse em seu próprio mundo, vivendo as angústias e aflições de suas personagens. Na plateia, nesses momentos, tínhamos que alterar olhares entre as três, e mesmo assim, em certas horas, quase não conseguíamos acompanhá-las.

Uma coisa que também me chamou muito a atenção, assim como em A Galinha Degolada, foi a iluminação. O intenso jogo de luzes que se alternava de instante em instante, dando a cada movimento uma atmosfera única, uma emoção mais condizente, crível. Não foi à toa que vários fotógrafos circulavam em volta do palco, em busca dos melhores ângulos para suas fotos.





As arquibancadas que formavam a plateia estavam bem movimentadas, talvez não lotadas, mas pude perceber um público bastante interessado. Para mim, ainda pouco habituado a esse ambiente teatral, como já disse, tudo era novidade. Não pude deixar de notar como um espetáculo como aquele tinha seu toque peculiar e atrativo. Era surpreendente ver o que se podia obter com o fato de não haver qualquer diálogo, de toda a comunicação ser feita, expressada, somente através daqueles movimentos tão precisos, tão cuidadosamente coreografados e ensaiados. Inclusive, a atriz Joyce Barbosa, que interpreta Macha, é responsável também pela coreografia, figurino e direção artística. Ótimo trabalho!

Falando um pouco de simbolismos, de maneira bem livre e pessoal, o sofá, a meu ver, representava a estagnação, a prostração à qual as três se submeteram, a incapacidade de reverter a situação, que no texto da peça é retratado pela desesperança, que habita amargamente o coração delas. O ursinho talvez representasse um mínimo de alegria encontrado por elas naquela vida tão melancólica e sem sentido. O buquê, que começa pendendo do alto, de certa forma inatingível, seria o símbolo da esperança, tão almejada e perseguida pelas três. Em certos momentos, elas o jogam ao chão, como que incertas de suas decisões.



Quando as luzes se acenderam, toda a plateia prorrompeu em aplausos. Comecei a refletir algumas dessas sensações, enquanto olhava as três atrizes no palco, que agradeciam a ovação. Elas avisaram que fariam ainda um breve momento de conversa com o público, onde explicariam em termos como foi o processo de criação do espetáculo. Porém, boa parte dos presentes se levantou quase incontinente, deixando as dependências da sala. Os que permaneceram, puderam ouvir detalhes dos bastidores da produção, da concepção da ideia à montagem do espetáculo. Se não me engano, a produtora também subiu ao palco, onde foram feitos também comentários sobre a obra original, de Tchékhov, e os pontos e singularidades escolhidos para servir como base da coreografia por elas criadas.

A plateia, ou o que sobrou dela, fez ainda algumas perguntas, que exploraram mais alguns pontos interessantes deste belo espetáculo. Aproveitei esses instantes finais para registrar, na medida do possível, o momento, através da câmera de meu celular. Seguem as duas imagens abaixo:








Nos dias seguintes, após a apresentação, terminei a leitura da peça, com grande entusiasmo. Como falei no início desse texto, esta obra de Tchékhov é impregnada de questionamentos filosóficos. As três irmãs, atormentadas pelas desventuras de sua rotinas, perguntam-se a todo o instante qual seria o sentido da vida, se é que há um. Repensam atos, ações, sentimentos. Discutem esses assuntos com os demais personagens, que também demonstram um viés filosófico. Por que vivemos? Por que sofremos? Será que tudo isso é em vão? Sendo assim, tanto faz o que fizermos da vida? Tais pensamentos, levantados em extensos e complexos diálogos, nos faz repensar conceitos e até mesmo nossa própria vida, de uma maneira arrebatadoramente profunda. Cheguei a fazer breves pausas entre um diálogo e outro para refletir melhor aquilo, e até marquei as passagens mais marcantes (assunto para um outro post, talvez?) Para mim, As Três Irmãs é, sobretudo, uma história de esperança, de uma busca por dentro de sim mesmo, uma vez que mostra os personagens exatamente como eles são. Não há grandes desenlaces ou conflitos dramáticos, propositalmente. Tchékhov, como é comum em suas obras, prefere retardar essa ação em prol do desenvolvimento psicológico de seus personagens. Isso é significativamente notado na rotina das três irmãs, com suas desesperanças e ideologias tão convincentes e intensas.

A Paralelo Cia de Dança conseguiu transmitir muito bem essa sensação de melancolia, apresentando poucos elementos em cena, priorizando ação e gestos automáticos, quase motores, refletindo a angústia de cada personagem, a inquietação de suas mentes, incapazes de reagir, de se erguer. Seu único ideal de esperança é a volta a Moscou. Será mesmo que esse é o único caminho?

E pensar que eu quase desisti de assistir! Foi uma das experiências mais bacanas que passei ultimamente, pois me despertou para muitas coisas as quais ainda não conhecia, como a dança e essa incrível peça de Anton Tchékhov!

Parabéns às três atrizes e a toda a equipe que participou desse espetáculo!

Ah, mas agora não posso esconder o desejo de assistir também a uma encenação tradicional da peça, que é uma das mais representadas no mundo cênico!

Bom, vou parando por aqui! Para finalizar, vejam mais detalhes sobre a Paralelo Cia de Dança no site oficial do grupo. E, claro, leiam a obra As Três Irmãs aqui!


2 comentários:

  1. Só vi agora tal publicações, boas observações, heim. E espero que ainda estejas indo ao teatro, se sim, deixo a dica do Bagaceira tb no sesc iracema. e agora em março haverá um festival repleto de espetáculo mágicos
    abs

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  2. Ótima dica, chegou em boa hora! Obrigado pela atenção, grande abraço!

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