Este é um post especial! Primeiro por celebrar os sete anos que este blog está no ar (completados em agosto, como passa rápido...), depois por inaugurar também seu novo visual, uma mudança que eu aliás vinha querendo fazer há muito tempo, mas que me chega em boa hora, coincidindo com mais este aniversário. Vamos em frente! Há alguns meses, tive uma oportunidade bastante especial, durante uma tradicional atividade cultural aqui de Fortaleza, o Percursos Urbanos.
O Percursos Urbanos, organizado pelo sociólogo Júlio Lira, consiste em passeios semanais pela cidade, sempre aos sábados, com o intuito de revelar novos olhares sobre a metrópole, através de visitações a bairros e municípios, sempre com temáticas culturais, sendo portanto uma ótima oportunidade para redescobrir a cidade e sua cultura. São gratuitos e qualquer pessoa pode participar. Já tinha ouvido falar deste projeto há algum tempo, mas nunca tinha conseguido ir. Como as coisas só acontecem no seu devido tempo, foi neste sábado em questão que tudo se configurou para que enfim pudesse estar em um dos percursos, e o fiz na companhia de meu querido irmão, Diego Akel.
O percurso deste dia seria sobre grafites, as populares marcas e inscrições deixadas em paredes. Eu estava bastante curioso, nunca tinha feito nada com grafites, aliás conhecia bem pouco a técnica, e fiquei ansioso para ver do que se tratava, como seria a proposta. Faríamos os moldes? Aplicaríamos? Em qual muro ou parede? Daria tempo fazer tudo isso? As perguntas surgiam, à medida que o momento se aproximava.
E na tarde daquele sábado, chegamos ao local que abriga os Percursos Urbanos, o Centro Cultural Banco do Nordeste, aqui no centro de Fortaleza. Num revés de imprevistos coroados pelo trânsito, acabamos chegando bem atrasados (os percursos tendem a começar rigorosamente às 15h). Numa das salinhas do lugar, encontramos já a turma reunida, acompanhada pelo mediador da vez, Marquinhos Abu. Pelo que percebi, ele certamente já devia ter dado uma explanação básica do processo, talvez mostrado alguns exemplos e agora todos se achavam debruçados nas duas ou três mesas que haviam ali, recortando e desenhando em enormes folhas de papel, já criando o que viriam a ser os futuros grafites. Perguntamos se ainda seria possível participar, cumprimentamos todos, e logo nos juntamos ao grupo, de início ainda meio deslocados, buscando nos aclimatar na medida do possível.
Além das folhas de papel A3, havia uma variedade de canetas, lápis e outros materiais. Diego, que já tinha feito alguns trabalhos com técnicas do stencil (o molde vazado), começou a me explicar como fazer, o que deveria ser desenhado ali para que se conseguisse o efeito de impressão. Fiquei atento a ele, e também ao que faziam as demais pessoas à minha volta. "Agora é só desenhar alguma coisa aí pra recortar", disse Diego. E foi aqui que a situação embaçou. Não pela questão do desenho, pois ultimamente consegui retomar bastante este gosto, mas mais pelas dimensões daquele papel; enorme, gigantesco, se comparado aos papeizinhos pequeninos que frequentemente venho usando. À uma primeira vista, intimidava toda aquela brancura, todo aquele vazio. O que fazer? Diego logo começou a fazer o seu. Não tínhamos muito tempo, dentro de poucos minutos deveríamos sair, para aplicar os trabalhos.
Tenho sido muito inspirado a desenhar pelo ambiente em que estou, procurando observar o que está em volta, para assim começar a traçar, buscando captar algo da realidade como ponto de partida. Assim tenho feito várias pequenas poesias visuais que publiquei nos últimos meses em meu outro blog (veja aqui). Para este desenho do grafite, não foi diferente. Comecei a avaliar o que havia por ali: pessoas, mesas, pequenos objetos e cadeiras, muitas cadeiras. Simpatizei logo com a forma da cadeira, simples e ao mesmo tempo complexa, bem como o que esta significava em si. Rabisquei, olhando uma que estava a alguns metros. No meio do processo, percebi que não precisava me concentrar em detalhes ou texturas, que não apareceriam, uma vez que aquele desenho seria apenas para a forma, a base do grafite, e assim fui delimitando a cadeira e suas curvas. Mas apenas a cadeira não bastaria. As outras pessoas faziam pequenas mensagens, juntas ou não aos desenhos, ajudando a compor o que queriam dizer. Quis seguir essa linha – é aliás uma linguagem que tenho adorado explorar, lá no outro blog, mesclando desenhos e textos. Assim, decidi que minha cadeira tinha de dizer algo. Teria de fazer letras grandes, o que limitaria bastante o espaço, ou seja, seja lá o que fosse escrever, tinha de ser curto, sucinto, como um raio. A ideia era desafiadora, principalmente por ter de resolvê-la em minutos, estávamos em cima da hora, várias pessoas já tinham terminado seus modelos.
O Sentar e Ouvir me veio assim, num rápido pensamento, e de início o achei até meio bobo, simples demais. Eram ações básicas quando se tem uma cadeira em mente. Senta-se e geralmente ouve-se. Mas justamente por ser um ato simples e comum, me pareceu interessante para destacar. Talvez tentando refletir algo que está meio em falta hoje em dia. Todos querem falar, o tempo todo, todo o tempo. Poucos ouvem, poucos sentam e ouvem. É uma ideia que me motivou, e encontrar duas palavras para sintetizar isto, ajudado pela simbologia da cadeira, foi bastante interessante. Aos mesmo tempo, é uma mensagem livre, que pode ser encaixada em múltiplos contextos.
Com o modelo pronto, veio a hora de recortar. Tínhamos pouco mais de dez minutos. O momento do recorte trouxe sua própria dificuldade, uma vez que precisava haver um planejamento do que recortar ou não para que se mantivesse a integridade da imagem no papel. Diego me auxiliou, enquanto analisávamos as partes da cadeira que deveriam ser recortadas; um corte a mais ou a menos poderia por tudo abaixo. Com tudo esquematizado, recortei o mais rápido que pude, temendo que não fosse conseguir terminar a tempo. Ao meu lado, Diego também recortava o seu: uma figura de um olho, cheio de contornos e estilizações, bem a sua cara.
A cadeira levou uns minutos para deixar o papel, mas as letras despregaram-se rapidamente, bastando seguir seus contornos. E logo estava diante de mim a folha vazada, pronta para ser grafitada. Olhei, me afastando um pouco, achando bacana, e já bem ansioso para ver como ficaria preenchida de tinta e estampada numa parede. Eu ainda guardaria as letrinhas e a forma da cadeira, para aproveitar em outras ideias, como esta. Deixamos a sala praticamente no limite do horário, juntamente com o restante do grupo.
Seguimos então para o ônibus. Sim, havia um ônibus à disposição do projeto. E já nesses breves momentos era possível sentir a energia que se gerava entre aquelas pessoas, à medida que íamos conhecendo uma ou outra, e esse contato aumentaria quando chegássemos ao ponto escolhido para se usar o spray. Os percursos trazem ainda mais esse trunfo: a socialização que se cria, involuntariamente, com as demais pessoas, que passamos a conhecer naquelas breves horas. Era um público bastante variado, de todas as faixas etárias, muito motivado com a oportunidade.
A intervenção foi feita numa parede já utilizada anteriormente numa outra vez que o Percursos abordou o grafite como tema, de modo que havia autorização para grafitá-la à vontade. Não lembro exatamente onde ficava, mas ali mesmo nos arredores do centro da cidade. O mediador levou várias latas de tinta spray e tão logo descemos do ônibus, explicou como manuseá-las, posição e pressão dos dedos. Todos foram se espalhando, procurando espaços limpos no muro e logo comecei a ouvir o som característico do spray, bem como sentir aquele pesado cheiro de tinta no ar.
Foi uma sensação bastante única estar ali, naquele momento. Com uma das latas em punho, me aproximei da parede, observando com curiosidade a já vastidão de marcas que havia nela. Busquei um espaço, apoiei o stencil e com a outra mão posicionei a boca do spray. Não era um processo tão simples quanto parecia, pelo menos para quem não estava acostumado. A pressão que se deve fazer com o dedo precisa ser uniforme, segura, e fui percebendo isso aos poucos, à medida que via a nuvem de tinta ser disparada, entre engasgos, e pouco a pouco cobrir o vazio da parede. E lá estava a cadeira! Lá estava o sentar e ouvir! Incrível, ver a imagem ali, marcada na parede, era muito diferente de vê-la apenas no molde, era como se de fato estivesse viva. Um processo tão simples, e talvez por isso tão mágico. A forma da cadeira, as letras, tudo pareceu funcionar muito bem, muito melhor do que eu jamais imaginaria. Gostei da brincadeira, e segui espalhando a cadeirinha por onde mais conseguisse, na extensão do muro, trocando as cores da tinta e melhorando os resultados a cada aplicação, motivado pela empolgação da novidade.
Olhei em volta, percebendo ainda os trabalhos das outras pessoas do grupo, que também iam aos poucos "carimbando" a parede. Havia os mais variados tipos, de mensagens e desenhos até protestos e achei interessante como eles pareciam, invariavelmente, refletir um pouco a personalidade de seu autor. Todos ficavam eufóricos a cada aplicação, ao ver seu desenho estampado, via-se nos rostos e olhares sorridentes. Logo os espaços vazios se limitaram às partes mais altas da parede e coube aos mais altos favorecer para que todos continuassem a brilhar (ou mesmo com a ajuda de banquinhos), e assim começamos a trocar além das tintas os próprios stencils em si, compondo uma grande salada de tons e figuras, risos e sorrisos.
Um detalhe bastante curioso foi que bem ali, ao lado de onde estávamos, na mesma calçada, havia vários vendedores ambulantes, em apenas mais um dia comum de trabalho. Não pude deixar de perceber como eles estranharam, claro, a repentina chegada de nosso grupo. O que teriam pensado? Foi engraçado protagonizar aquele momento, ver aquelas reações, aquela mistura de susto e curiosidade vindas daquelas pessoas simples que lutavam dia-a-dia por sua sobrevivência. Alguns ainda perguntaram o que era aquilo que fazíamos, embora a maioria mantivesse apenas os olhares intrigados.
Quando as paredes se mostraram suficientemente cheias, teve ainda quem quisesse grafitar o chão, e logo vimos um monte de marcas surgirem, quase como pegadas desordenadas, ao longo da calçada. A intervenção ganhava rumos impensados, engrandecendo ainda mais a experiência. Após alguns minutos, já mais familiarizado à técnica, resolvi fazer como via os mais experientes fazerem: usar duas cores. Para isso, era necessário aplicar uma, depois mover um pouco o papel e aplicar a segunda. O resultado é a imagem com uma camada extra, uma profundidade, quase com se saltasse aos olhos.
Uma das cores mais cobiçadas foi o vermelho. Ouvimos dizer que havia uma lata, mas esta nunca chegou à nossa mão. Vimos muitos pretos, verde, marrom, mas nada de vermelho, a não ser já aplicado nas paredes. Onde estava? Diziam que estava com fulano, com sicrano, e finalmente que tinha acabado. O mais perto que conseguimos foi um roxo, mas o vermelho bem que teria sido uma boa combinação com o preto.
Logo chegou o fim de tarde, anunciado um pouco antes com a retirada dos vendedores ambulantes, que assim acabaram por nos ceder as partes da parede nas quais estavam instalados. Num fôlego renovado, todos atacaram o novo espaço como formigas devorando doce. Mas com o sol prestes a se pôr, por volta das 18h, retornou nosso ônibus, o percurso chegava ao fim. O trajeto de volta ao CCBNB foi tranquilo, com todos conversando sobre a tarde, e víamos novamente aqui os laços que se criavam naqueles minutos tão breves, como mesmo uma pequena família, unida por um ideal, pelo grafite.
A atividade foi muito bem registrada por todos os celulares dos que estavam presentes. Boa parte das fotos mais destacados do grupo, porém, vieram das lentes de Ivonísio Mosca, um amigo que fizéssemos lá, que já acompanha o Percursos Urbanos há bastante tempo (o projeto existe desde 2003), sempre mais dedicado a registrar fotos dos passeios. Gentilmente, mostrei ao longo desse post algumas fotos dele, para reforçar as que eu consegui fazer, mesmo com as mãos sujas de tinta.
Como minha primeira experiência no Percursos Urbanos – e também no grafite – foi muito gratificante. Apesar de um pouco incerto no início, tudo se configurou de maneira tão natural no decorrer das etapas que parecia quase algo que sempre fiz. Gostei muito do contato com a arte dos stencils, tanto que após esse dia comecei a pensar em investir mais nessa área. Também gostei bastante do resultado de meu stencil, que, modéstia à parte, acabou bastante elogiado por todos, quando comentei que nunca tinha feito nada parecido antes, era a primeira vez. Essa vivência me significou muito, e mesmo já tendo passado algum tempo (foi em junho), deixou em mim memórias muito especiais, tanto que quis fazer esse post para de alguma maneira concretizar um pouco dessa sensação. Penso cada vez mais que há tanta coisa nesse mundo, tanta coisa boa para aprender, tanta coisa que talvez até já saibamos, e pensamos não saber, e ignoramos sequer conhecer. O mundo está aí para ser descoberto, basta sentar e ouvir.
E na tarde daquele sábado, chegamos ao local que abriga os Percursos Urbanos, o Centro Cultural Banco do Nordeste, aqui no centro de Fortaleza. Num revés de imprevistos coroados pelo trânsito, acabamos chegando bem atrasados (os percursos tendem a começar rigorosamente às 15h). Numa das salinhas do lugar, encontramos já a turma reunida, acompanhada pelo mediador da vez, Marquinhos Abu. Pelo que percebi, ele certamente já devia ter dado uma explanação básica do processo, talvez mostrado alguns exemplos e agora todos se achavam debruçados nas duas ou três mesas que haviam ali, recortando e desenhando em enormes folhas de papel, já criando o que viriam a ser os futuros grafites. Perguntamos se ainda seria possível participar, cumprimentamos todos, e logo nos juntamos ao grupo, de início ainda meio deslocados, buscando nos aclimatar na medida do possível.
Além das folhas de papel A3, havia uma variedade de canetas, lápis e outros materiais. Diego, que já tinha feito alguns trabalhos com técnicas do stencil (o molde vazado), começou a me explicar como fazer, o que deveria ser desenhado ali para que se conseguisse o efeito de impressão. Fiquei atento a ele, e também ao que faziam as demais pessoas à minha volta. "Agora é só desenhar alguma coisa aí pra recortar", disse Diego. E foi aqui que a situação embaçou. Não pela questão do desenho, pois ultimamente consegui retomar bastante este gosto, mas mais pelas dimensões daquele papel; enorme, gigantesco, se comparado aos papeizinhos pequeninos que frequentemente venho usando. À uma primeira vista, intimidava toda aquela brancura, todo aquele vazio. O que fazer? Diego logo começou a fazer o seu. Não tínhamos muito tempo, dentro de poucos minutos deveríamos sair, para aplicar os trabalhos.
Tenho sido muito inspirado a desenhar pelo ambiente em que estou, procurando observar o que está em volta, para assim começar a traçar, buscando captar algo da realidade como ponto de partida. Assim tenho feito várias pequenas poesias visuais que publiquei nos últimos meses em meu outro blog (veja aqui). Para este desenho do grafite, não foi diferente. Comecei a avaliar o que havia por ali: pessoas, mesas, pequenos objetos e cadeiras, muitas cadeiras. Simpatizei logo com a forma da cadeira, simples e ao mesmo tempo complexa, bem como o que esta significava em si. Rabisquei, olhando uma que estava a alguns metros. No meio do processo, percebi que não precisava me concentrar em detalhes ou texturas, que não apareceriam, uma vez que aquele desenho seria apenas para a forma, a base do grafite, e assim fui delimitando a cadeira e suas curvas. Mas apenas a cadeira não bastaria. As outras pessoas faziam pequenas mensagens, juntas ou não aos desenhos, ajudando a compor o que queriam dizer. Quis seguir essa linha – é aliás uma linguagem que tenho adorado explorar, lá no outro blog, mesclando desenhos e textos. Assim, decidi que minha cadeira tinha de dizer algo. Teria de fazer letras grandes, o que limitaria bastante o espaço, ou seja, seja lá o que fosse escrever, tinha de ser curto, sucinto, como um raio. A ideia era desafiadora, principalmente por ter de resolvê-la em minutos, estávamos em cima da hora, várias pessoas já tinham terminado seus modelos.
Foto: Ivonísio Mosca |
O Sentar e Ouvir me veio assim, num rápido pensamento, e de início o achei até meio bobo, simples demais. Eram ações básicas quando se tem uma cadeira em mente. Senta-se e geralmente ouve-se. Mas justamente por ser um ato simples e comum, me pareceu interessante para destacar. Talvez tentando refletir algo que está meio em falta hoje em dia. Todos querem falar, o tempo todo, todo o tempo. Poucos ouvem, poucos sentam e ouvem. É uma ideia que me motivou, e encontrar duas palavras para sintetizar isto, ajudado pela simbologia da cadeira, foi bastante interessante. Aos mesmo tempo, é uma mensagem livre, que pode ser encaixada em múltiplos contextos.
Com o modelo pronto, veio a hora de recortar. Tínhamos pouco mais de dez minutos. O momento do recorte trouxe sua própria dificuldade, uma vez que precisava haver um planejamento do que recortar ou não para que se mantivesse a integridade da imagem no papel. Diego me auxiliou, enquanto analisávamos as partes da cadeira que deveriam ser recortadas; um corte a mais ou a menos poderia por tudo abaixo. Com tudo esquematizado, recortei o mais rápido que pude, temendo que não fosse conseguir terminar a tempo. Ao meu lado, Diego também recortava o seu: uma figura de um olho, cheio de contornos e estilizações, bem a sua cara.
A cadeira levou uns minutos para deixar o papel, mas as letras despregaram-se rapidamente, bastando seguir seus contornos. E logo estava diante de mim a folha vazada, pronta para ser grafitada. Olhei, me afastando um pouco, achando bacana, e já bem ansioso para ver como ficaria preenchida de tinta e estampada numa parede. Eu ainda guardaria as letrinhas e a forma da cadeira, para aproveitar em outras ideias, como esta. Deixamos a sala praticamente no limite do horário, juntamente com o restante do grupo.
Seguimos então para o ônibus. Sim, havia um ônibus à disposição do projeto. E já nesses breves momentos era possível sentir a energia que se gerava entre aquelas pessoas, à medida que íamos conhecendo uma ou outra, e esse contato aumentaria quando chegássemos ao ponto escolhido para se usar o spray. Os percursos trazem ainda mais esse trunfo: a socialização que se cria, involuntariamente, com as demais pessoas, que passamos a conhecer naquelas breves horas. Era um público bastante variado, de todas as faixas etárias, muito motivado com a oportunidade.
A intervenção foi feita numa parede já utilizada anteriormente numa outra vez que o Percursos abordou o grafite como tema, de modo que havia autorização para grafitá-la à vontade. Não lembro exatamente onde ficava, mas ali mesmo nos arredores do centro da cidade. O mediador levou várias latas de tinta spray e tão logo descemos do ônibus, explicou como manuseá-las, posição e pressão dos dedos. Todos foram se espalhando, procurando espaços limpos no muro e logo comecei a ouvir o som característico do spray, bem como sentir aquele pesado cheiro de tinta no ar.
Foi uma sensação bastante única estar ali, naquele momento. Com uma das latas em punho, me aproximei da parede, observando com curiosidade a já vastidão de marcas que havia nela. Busquei um espaço, apoiei o stencil e com a outra mão posicionei a boca do spray. Não era um processo tão simples quanto parecia, pelo menos para quem não estava acostumado. A pressão que se deve fazer com o dedo precisa ser uniforme, segura, e fui percebendo isso aos poucos, à medida que via a nuvem de tinta ser disparada, entre engasgos, e pouco a pouco cobrir o vazio da parede. E lá estava a cadeira! Lá estava o sentar e ouvir! Incrível, ver a imagem ali, marcada na parede, era muito diferente de vê-la apenas no molde, era como se de fato estivesse viva. Um processo tão simples, e talvez por isso tão mágico. A forma da cadeira, as letras, tudo pareceu funcionar muito bem, muito melhor do que eu jamais imaginaria. Gostei da brincadeira, e segui espalhando a cadeirinha por onde mais conseguisse, na extensão do muro, trocando as cores da tinta e melhorando os resultados a cada aplicação, motivado pela empolgação da novidade.
Foto: Ivonísio Mosca |
Olhei em volta, percebendo ainda os trabalhos das outras pessoas do grupo, que também iam aos poucos "carimbando" a parede. Havia os mais variados tipos, de mensagens e desenhos até protestos e achei interessante como eles pareciam, invariavelmente, refletir um pouco a personalidade de seu autor. Todos ficavam eufóricos a cada aplicação, ao ver seu desenho estampado, via-se nos rostos e olhares sorridentes. Logo os espaços vazios se limitaram às partes mais altas da parede e coube aos mais altos favorecer para que todos continuassem a brilhar (ou mesmo com a ajuda de banquinhos), e assim começamos a trocar além das tintas os próprios stencils em si, compondo uma grande salada de tons e figuras, risos e sorrisos.
Um detalhe bastante curioso foi que bem ali, ao lado de onde estávamos, na mesma calçada, havia vários vendedores ambulantes, em apenas mais um dia comum de trabalho. Não pude deixar de perceber como eles estranharam, claro, a repentina chegada de nosso grupo. O que teriam pensado? Foi engraçado protagonizar aquele momento, ver aquelas reações, aquela mistura de susto e curiosidade vindas daquelas pessoas simples que lutavam dia-a-dia por sua sobrevivência. Alguns ainda perguntaram o que era aquilo que fazíamos, embora a maioria mantivesse apenas os olhares intrigados.
Quando as paredes se mostraram suficientemente cheias, teve ainda quem quisesse grafitar o chão, e logo vimos um monte de marcas surgirem, quase como pegadas desordenadas, ao longo da calçada. A intervenção ganhava rumos impensados, engrandecendo ainda mais a experiência. Após alguns minutos, já mais familiarizado à técnica, resolvi fazer como via os mais experientes fazerem: usar duas cores. Para isso, era necessário aplicar uma, depois mover um pouco o papel e aplicar a segunda. O resultado é a imagem com uma camada extra, uma profundidade, quase com se saltasse aos olhos.
Foto: Ivonísio Mosca |
Foto: Ivonísio Mosca |
Uma das cores mais cobiçadas foi o vermelho. Ouvimos dizer que havia uma lata, mas esta nunca chegou à nossa mão. Vimos muitos pretos, verde, marrom, mas nada de vermelho, a não ser já aplicado nas paredes. Onde estava? Diziam que estava com fulano, com sicrano, e finalmente que tinha acabado. O mais perto que conseguimos foi um roxo, mas o vermelho bem que teria sido uma boa combinação com o preto.
Logo chegou o fim de tarde, anunciado um pouco antes com a retirada dos vendedores ambulantes, que assim acabaram por nos ceder as partes da parede nas quais estavam instalados. Num fôlego renovado, todos atacaram o novo espaço como formigas devorando doce. Mas com o sol prestes a se pôr, por volta das 18h, retornou nosso ônibus, o percurso chegava ao fim. O trajeto de volta ao CCBNB foi tranquilo, com todos conversando sobre a tarde, e víamos novamente aqui os laços que se criavam naqueles minutos tão breves, como mesmo uma pequena família, unida por um ideal, pelo grafite.
A atividade foi muito bem registrada por todos os celulares dos que estavam presentes. Boa parte das fotos mais destacados do grupo, porém, vieram das lentes de Ivonísio Mosca, um amigo que fizéssemos lá, que já acompanha o Percursos Urbanos há bastante tempo (o projeto existe desde 2003), sempre mais dedicado a registrar fotos dos passeios. Gentilmente, mostrei ao longo desse post algumas fotos dele, para reforçar as que eu consegui fazer, mesmo com as mãos sujas de tinta.
Eu, meu irmão Diego e Ivonísio Mosca. Foto: Ivonísio Mosca |
Como minha primeira experiência no Percursos Urbanos – e também no grafite – foi muito gratificante. Apesar de um pouco incerto no início, tudo se configurou de maneira tão natural no decorrer das etapas que parecia quase algo que sempre fiz. Gostei muito do contato com a arte dos stencils, tanto que após esse dia comecei a pensar em investir mais nessa área. Também gostei bastante do resultado de meu stencil, que, modéstia à parte, acabou bastante elogiado por todos, quando comentei que nunca tinha feito nada parecido antes, era a primeira vez. Essa vivência me significou muito, e mesmo já tendo passado algum tempo (foi em junho), deixou em mim memórias muito especiais, tanto que quis fazer esse post para de alguma maneira concretizar um pouco dessa sensação. Penso cada vez mais que há tanta coisa nesse mundo, tanta coisa boa para aprender, tanta coisa que talvez até já saibamos, e pensamos não saber, e ignoramos sequer conhecer. O mundo está aí para ser descoberto, basta sentar e ouvir.
Parabéns Denis, pela sensibilidade e o carinho que constrói em sua trajetória artística. Você também tem uma boa escrita, ficou muito bom o post. Um abração!
ResponderExcluirForam ótimos momentos ali! Agradeço as palavras e a visita Ivonísio, grande abraço!
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