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"O coração que se ganha é o que se dá em troca"Marcelino Freire



quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Dica de leitura: O Homem que Sabia Javanês (conto)



Hora de voltar a falar de literatura, mas não de um livro em específico, como tem sido os últimos Dica de Leitura, dessa vez vou falar de um conto em particular, um conto que merece grande destaque. Trata-se de O Homem que Sabia Javanês, de Lima Barreto, um clássico de nossa literatura, bastante conhecido por alguns, e igualmente desconhecido por outros.

Desde os tempos do colégio, já tinha conhecimento desse texto, das aulas de literatura, mas nunca tivera a oportunidade de lê-lo. Tudo o que sabia a respeito é que a história falava sobre uma pessoa que dizia saber javanês sem nunca ter falado uma palavra do idioma, e esse simples fio me deixava bastante curioso para saber como a trama se desenrolaria.

Um tempo depois, em certa ocasião, creio que na bienal do livro, no ano de 2004, me deparei com esse livrinho, intitulado O Homem que Sabia Javanês e outros contos. Lembrei-me de imediato do fascínio que tinha por esse título, e por descobrir esta história, e pelo simplório preço de R$1,00 eu o adicionei às compras da época. Se eu o li? Não! Mesmo empolgado, na época acabei pegando direcionamentos de outros livros, de autores como Lawrence Block (criador do famoso personagem Matt Scudder) e Lúcia Machado de Almeida (consagrada por livros infanto-juvenis, como Spharion e os da série Xisto), além de ter começado a desenvolver mais o gosto pela escrita, e o livrinho acabou acomodado na estante, indefinidamente, ao lado de vários outros, quase desaparecendo de vista no meio dos mais volumosos.

E passaram mais vários anos sem que eu soubesse, afinal, quem era o tal homem que dizia saber javanês. Mas, como certas coisas só acontecem quando devem realmente acontecer (ou tudo acontece no seu devido tempo), mês passado, eis que vejo passando uma chamada na TV Escola (canal que sempre assisto, e recomendo, por ter ótimos programas sobre literatura e documentários diversos) de uma adaptação do conto O Homem que Sabia Javanês, com grandes atores, como Sérgio Mamberti (o tio Vitor do Castelo Rá-Tim-Bum) e Carlos Alberto Riccelli. À medida que a chamada passava, comecei a entender um pouca mais a história (que me parecia ainda mais interessante do que imaginava), e fui novamente fisgado pela vontade de conhecer a obra original, uma vontade adormecida há anos, que agora voltava com grande intensidade. Geralmente, em adaptações baseadas em livros, creio que o ideal seja ler antes de assistir, para não termos só uma visão formada pela imagem, e sim nós mesmos criamos nossa própria imagem, sem a "facilidade" da imagem pronta, se é que me entendem!

O filme (sim, tem quase 1 hora de duração) seria exibido no dia seguinte, à noite. Eu sabia que o conto não era muito extenso, mas me precavi e fui logo ao encalço do livro, que, felizmente,  não demorei muito a localizar. Meu objetivo era também gravar o filme (e de fato gravei), mas queria já ter conhecimento da obra antes de ter contato com a adaptação, e me pus a lê-la, o que foi tranquilo, uma vez que é um conto bem pequeno (umas quinze páginas do livrinho).

Fiquei maravilhado ao final da leitura! É um texto rápido, enxuto, irônico, que trata, em linhas gerais, de como o comportamento humano pode ser facilmente manipulado, em uma crítica singela ao comodismo, a como o pensar deve estar colado ao agir. Vou falar um pouquinho da história, algo que não costumo fazer, mas apenas para melhor poder comentar!

O conto gira em torno de Castelo e Castro, dois amigos que conversam, em uma mesa de confeitaria, a tomar uma cerveja, em meados do início do século XX. Lá o primeiro começa a contar suas inúmeras histórias, surpreendentes, entre elas aquela que o celebrou: professor de javânes! O fato é que o tal sujeito, um malandro por natureza, nunca chega a falar nenhuma palavra do idioma, e vende apenas a ideia de que o ensina, após ver um anúncio em um jornal. Mas, diferente do que eu pensava inicialmente, ele não foi assim tão ignorante, e tratou de aprender um básico sobre a língua javanesa. Através de uma pequena pesquisa, conheceu um pouco do idioma – mas nunca o suficiente para ousar se passar por professor. Quando se depara com o seu aluno, então, percebe a situação onde se meteu! Ele terá que ensinar um velho barão a ler um antigo livro em javanês. E aí começam os problemas? descobrem a farsa? Não! Aí é que começa o seu triunfo, de maneira surpreendente!

É realmente muito interessante observar as mudanças pelas quais o caráter e conduta de Castelo, protagonista da história, vão mudando com a evolução desta, à medida que se afeiçoa ao barão, com a projeção a que chega o seu "golpe" e também os comentários de Castro, seu amigo, que acha tudo aquilo quase inacreditável, entre um gole e outro de cerveja. A trama prende fácil, e em certos momentos nos vemos até interessados em também aprender um pouco mais sobre a ilha de java e as línguas malaio-polinésias. Ao final, temos uma sucinta reflexão: podemos ser tudo o que queremos, se realmente acreditarmos, e a figura do malandro passa então a respirar ares quase heroicos.

Com estes ideais, assisti à adaptação do conto, e também me surpreendi. Toda a atmosfera do texto estava lá, em uma ótima ambientação, com grandes atuações do elenco, que trazem à vida a história do "professor" de javanês com excelente fidelidade. O fato de já conhecer o desenrolar da trama ajudou bastante, e me permitiu ter uma visão diferente da encontrada nas páginas do texto, em parte por alguns pequenos pormenores diferentes da obra original, que deram um ar mais dramático, mas não menos cativante à história.

É engraçado como certas coisas acontecem, não é? Não fosse eu ter visto a chamadinha do programa, numa hora em que eu poderia estar fazendo qualquer coisa – ao invés de estar diante da TV – não teria tomado conhecimento da existência dessa adaptação e, muito provavelmente, o livrinho de contos ainda estaria desaparecido entre os outros. É, tudo acontece realmente quando deve acontecer. Ter lido este conto agora foi fundamental para mim, uma vez que vejo nele uma linha de texto bem semelhante a que gosto de fazer; quase um realismo fantástico, mas que dentro de seu meio, se torna totalmente aceitável.

Além de tudo isto, o texto me motivou também a conhecer os demais contos da antologia, e, obviamente, um pouco mais sobre Lima Barreto, que é autor do também clássico Triste Fim de Policarpo Quaresma. E por que não até um pouco de javanês? (risos!).  Enfim, uma excelente leitura que recomendo veementemente a todos os bons leitores!

O livrinho pode ser achado em qualquer boa livraria a preços módicos. O texto, que já é domínio público, pode ser lido facilmente neste link. Mas seja no livro físico, ou na internet, o importante é ler!

Abaixo, algumas imagens da adaptação do conto O Homem que sabia Javanês, de 2004, exibido recentemente na TV Escola, mas que também, pelo que pesquisei, já passou no Canal Brasil:












Infelizmente não encontrei sequer um trailer desta versão (apenas de outra de 1994, que ainda desconheço, mas pelo que vi foge um pouco mais da linha original), mas, por estas imagens, já dá pra ter uma pequena ideia da produção, não é?

É isso, já falei demais. Agora é com vocês, prezados, leiam o conto!

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