Frases


"O coração que se ganha é o que se dá em troca"Marcelino Freire



domingo, 9 de agosto de 2020

Ainda estou aqui




(Texto para essa postagem em preparação, volte depois por favor. )

Estou postando diariamente algumas produções literárias e visuais autorais em meu outro blog: O Provável do Improvável 

Há qualquer coisa de novo também no instagram: @deniakel

Obrigado a quem também ainda está aqui!



sábado, 17 de agosto de 2019

Considerações sobre a Bienal do Livro do Ceará 2019


Começou nesta sexta, 16/08/2019, a XIII edição da Bienal do Livro do Ceará. Em outros tempos, essa talvez fosse a maior de minhas realizações, mas o tempo passa e muitas vezes nos torna mais lúcidos.

Tenho muito carinho pelas Bienais aqui de Fortaleza, as primeiras que lembro ter ido foram dos longínquos anos de 2002 e 2004, ainda no antigo e gracioso centro de eventos. Mas foi a partir da edição de 2010 que passei a olhá-la sob os olhos da criação e do registro, a primeira que estive em boa parte dos debates e me descobri naturalmente tentado a escrever sobre, comentar e até mesmo criticar o que me parecia estranho ou desnecessário, através da escrita. Era uma época em que meu contato maior com a literatura dependia muito da Bienal. E assim seguiram-se as edições de 2012, 2014, o incomum intervalo de três anos para 2017. Em todas elas estive presente, acabando por ganhar alguma notoriedade em 2017, onde mais ousado, passei a não apenas escrever e comentar impressões, como também conversar com o máximo de autores e pessoas que conseguia, assim conseguindo filtrar algo além do que o óbvio parecia dizer. Era também um lado meu que desconhecia ganhando forma. Aliás, ainda faltam duas postagens aqui para fechar as 10 referentes aos 10 dias da Bienal de 2017, e na última eu falaria de toda essa transformação que vivi naquele ano, passando de apenas um narrador a personagem e quase protagonista algumas vezes. Estas postagens estão esboçadas e logo mais serão publicadas.

Após algumas vivências em oficinas e feiras e festas literárias pelo país, essas mudanças intensificaram-se, havia uma curiosidade frequente e quase eterna em mim, e para todo canto que ia levava pelo menos um caderno, onde não apenas falas e palestras me interessavam, mas o perceber o mundo, este que talvez agora passasse a conhecer, ouvir, viver, tudo isso fascinava, tudo isso falava, parecia tão natural esse ouvir. Me sinto cada vez mais nos trilhos literários, e também nas artes plásticas e visuais, como uma grande caixa repleta de instrumentos prontos a usar. E entre oportunidades de mediar debates, dar oficinas, publicar os primeiros materiais impressos (Livro Zero e Parada Curva), seguia publicando este mesmo estilo de texto que tanto usei nesse blog, mas dessa vez no Instagram e Facebook (em breve trarei o material lá postado textos para cá) sobre eventos não apenas literários mas culturais, qualquer coisa que sentisse que devia escrever, escrevia: frases ouvidas, pensamentos, lamentos, não havia critério, e tome caderno e caneta, mas eu tinha tenho pressa, e gostando cada vez mais de ouvir. De 2017 para cá tal mergulho me levou a realmente focar para viver do trabalho literário e artístico, algo cada vez mais delicado na cidade de Fortaleza, sobretudo nesse período complicado em que vive o país.

A Bienal de 2019 parecia distante, havia até boatos de que não ocorreria. Fiquei muito satisfeito quando, em fevereiro se não me engano, divulgaram  alguns nomes de autores. Bem mais cedo que as edições recentes e dessa vez teve até evento de pré-lançamento. Muito amigos que fiz ao longo desta caminhada pelas letras estão na organização ou curadoria do evento, o que certamente torna a experiência ainda mais familiar e receptiva. Para essa edição, contudo, eu sabia que não poderia, nem deveria mais fazer como sempre fiz, não deveria mais postar aqui as vivências da bienal apenas por postar, era possível ir além, minha cabeça já opera além, vejo possibilidades de se levar isso adiante. E como fazer isso? Enviando um projeto para eles, como tantos amigos enviavam, para lançar livros ou rodas de debate ou recitais, o que fosse, havia essa opção que me cairia perfeitamente. Poderíamos fechar um acordo interessante, e me debrucei a escrever o projeto, com a grande ajuda de meu irmão, Diego Akel, tão acostumado a esses processos de vida.

A ideia do projeto, que chamei Becos da Bienal, não era muito diferente do que fiz aqui ao longo dos anos nas Bienais anteriores, mas dessa vez seria algo oficial, algo "dentro" da programação, algo o qual seria divulgado por eles e não apenas por mim. Visando levar a experiência da Bienal aos que não podem ou mesmo oferecer um olhar mais diferenciado, eu estaria novamente os dez dias de evento, e escreveria pelo menos uma crônica de tudo o que tinha visto (ou não visto), entre falas e palestras, mas mais focado nos acasos, buscar detalhes e cenas que se perdem naquele complexo de luzes apoteóticas. Estes textos não seriam jornalísticos, não haveria necessidade de informar ou divulgar mas mais movidos pela paixão criativa, seriam acompanhados de dez fotos que de alguma forma resumissem aquele dia e eventualmente de algum desenho também feito por mim dialogando as outras linguagens. A cada dia haveria esse ramalhete visual, além do texto, costurando uma visão que imagino ser bastante diferente da típica cobertura que é feita sempre, não apenas na Bienal, mas em todo e qualquer evento similar. Nunca se investe em algo diferente, nunca arriscam, nunca se renovam de fato.

Evidente que seria um trabalho hiper mega cansativo, passar os dez dias, da manhã à noite, na Bienal, e a cada noite filtrar o material de meus cadernos e já lapidar o que seria postado antes do dia seguinte, nas redes sociais. Por conta disso, era natural que houvesse um retorno, um cachê condizente à essa realidade. Foi o que coloquei no projeto. Os coordenadores abriram as portas, mas alertaram desde o início a questão da verba, segundo eles difícil esse ano. Mas eu deveria arriscar, o máximo que poderia era ouvir um não. O projeto foi enviado no início de maio, e seguiu-se um hiato de quase dois meses sem nenhuma resposta. Esperava ao menos o não ou quem sabe uma contra proposta, mas realmente não esperava o silêncio.
E agora às vésperas, descubro que não acharam ou não leram meu projeto, não sei o que aconteceu. Foi-me dito que ele já teria sido recusado de cara por ter orçamento, como tantos outros o foram. Certo, mas custava avisar às pessoas? É preciso se programar para um trabalho. Já em cima da hora de começar eu ainda achava que seria contemplado. Sem verba, eles tiveram um enorme déficit, foi também o que me disseram. Falaram em uma data, um dia que teria uma vaga não preenchida, mas não era para nada tão alucinado como meu projeto, era para apenas lançar livro ou fazer palestra, e não haveria nada de cachê e sequer uma ajuda de custo. Tempos difíceis. Com certeza não está fácil, reconheço, e é louvável todo esforço que fizeram para mais uma bienal, mas um evento desse porte não é tão desamparado assim, não se traz tantos convidados sem um mínimo de recursos (será que Mia Couto e Raduan Nassar foram cancelados de última hora por isso?). Não estou muito por dentro da programação esse ano mas mesmo o Bienal fora da Bienal foi mantido, talvez por já perceberem o prestígio da atividade. Meu projeto acaba sendo incompreendido, não tem uma forma ou resultado claro, é o que tiver de ser, o que acontecer, é quase como um poema antes de nascer, começa numa sensação, lá longe, e verte-se em palavra, tenta-se fechar nesse corpo sentido, sem sentido. Como pouca gente conhece, não sente falta. Além de que apoiar quem está "começando" parece sempre mais difícil do que contatar o mesmo pessoal de sempre.

Cheguei até a ser sugerido fazer "por minha conta" de novo, como sempre fiz. Não sei se rio ou se choro. Como disse acima, fazer esse trabalho andarilho, de lá para cá, na ilusão da liberdade do centro de eventos, é extremamente desgastante. Cansaço físico, mental, má alimentação, claro que tudo isso faz parte do jogo, temperam o prato e mexem diretamente com o resultado criado, mas fazer isso apenas por mim já não me é tão interessante. Uma coisa é eu ir a um evento menor, algo independente e informal, de um amigo, e escrever pelo prazer do que vivi. Outra coisa é fazer isso para um evento que, mesmo em tempos difíceis, tem sim apoiadores e há sim verba. Quando se começa a perceber as nuances desse trabalho, aprendemos a nos poupar.

Soube também que alguns outros amigos também estão com problemas em suas participações no evento, graças às falhas de comunicação com os curadores e coordenadoria. Fiquei bastante surpreso com a decepção com que alguns me contaram suas histórias, do trabalho que já tinham feito e de repente não se ter qualquer garantia de que ele de fato será apresentado.

Meu Becos da Bienal infelizmente não ocorrerá. Talvez numa próxima edição, ou mesmo em outro evento, cidade. Mas ainda assim irei à Bienal 2019, há muitos amigos lançando livros e vivendo esse momento de glória e reconhecimento (e espero que recebendo algo). Sei, porém, que minha paixão maior pela literatura me fará sim escrever em meus cadernos essas vivências, mas ficarei apenas nisso. Isso me bastará dessa vez. Afinal, tudo começa no olhar, e segue caderno, até a escrita, a palavra escrita.

A XIII Bienal do Livro, com o insosso tema As Cidades e os Livros (falta peso, é um tema genérico e nem um pouco instigante ) acontece de 16 a 25 de agosto de 2019, no Centro de Eventos. A programação completa, tão confusa como sempre, está no site deles. Vamos ver se haverá o folder impresso já no primeiro dia (edit: acabei de chegar de lá, não houve). No mais, é sim uma conquista termos a Bienal numa época tão sombria, espero ao menos poder viver o melhor desta festa, que são não apenas os livros, mas as pessoas, cada vez mais as pessoas. Uma pena que se verá apenas a mesma cobertura arrastada e previsível de sempre, no primeiro dia já ditando o tom do último. É ver para crer. No meu caso, escrever.

Quem quiser ver o trabalho que fiz "por minha conta" nas edições passadas, é ver as postagens anteriores, do marcador 'Bienal do Livro'. As de 2017 ainda estão fresquinhas.

domingo, 11 de agosto de 2019

10 anos de blog


Hoje, 11 de agosto de 2019, este blog completa uma década de existência. E a data quase me escapa por ultimamente estar mais focado em postagens pelo Instagram, em um modelo de texto menor, mas não menos prazeroso dos que costumava lançar por aqui. Mas o Diálogos permanece como esse grande baú de um passado presente, cada uma das suas mais de 200 postagens carrega um pouco de meu viver, ao longo dessa década, entre a experimentação e fascínio pela escrita, prazer na leitura e mergulho nas artes visuais.

Até parece que foi ontem quando comecei a escrever por aqui, de início sem saber para onde estava indo (e talvez ainda não saiba muito) mas o tempo nos molda de alguma forma mais experientes e em meu caso cada vez mais tendo a escrita como alicerce de vida. De um tempo onde eu era mais espectador, mais ouvia, absorvia, aos dias de hoje, dias onde me vi enveredado no fazer e pensar literário de uma forma mais consciente, plena, entre tantos movimentos, vivências e sobretudo pessoas com as quais pude conversar ou apenas sentir a energia ao longo desses dez anos. Não apenas referente a trabalho, mas na vida em si. Tem sido momentos onde o simples ato de conversar, de falar e sobretudo ouvir, me são mais caros do que apenas ler um livro, é como ler a história de cada um, a história ainda não escrita, a história nossa que se faz a cada hora, minuto segundo. Nesses tempos tão barulhentos de redes sociais, cada vez menos pessoas querem ouvir. Deixo esse tema para outro momento.

Fato é que o blog encontra-se temporariamente pausado por conta de alguns problemas em meu computador mas em breve devo e quero retomá-lo, concluindo a série da Bienal 2017 e postando outros textos já escritos, de eventos e momentos posteriores àquele. Ainda, ideias de mexer as coisas por aqui e deixar tudo mais leve e enxuto no layout do blogger, enquanto ele ainda existe pois quem lembra de blogs hoje em dia?

Logo mais também, uma parte destes textos, novos e antigos, bem como algumas das séries mais longas do blog, como da Bienal CE 2014 e Flip 2015 deve resultar uma pequena publicação impressa.

As postagens mais recentes em relação à última postagem aqui, bem como meus trabalhos mais atuais, estão no instagram @deniakel.

Aqui em Fortaleza, estamos prestes a viver mais uma Bienal do Livro (16 a 25 de agosto de 2019). Depois de algumas experiências em outros eventos em outras cidades, imagino que mudei um pouco meu modo de pensar e viver a bienal daqui. Provavelmente estarei lá, mas será bem diferente de como foi a edição 2017.

Tenho escrito muito, muito à mão ultimamente, é um pouco estranho retomar teclado, escrever mesmo quase sem esforço de dedo, sem ver tinta dançando, a harmonia dos esses, mas aqui tem seu próprio universo, de algum modo me reencontro, há dez anos. Que saudade de escrever aqui... grandes tempos das postagens que levavam semanas para fazer. Até breve!

Denis Akel

terça-feira, 22 de maio de 2018

Bienal do Livro do Ceará 2017 - dia 8, Stélio Torquato Lima, Ignácio de Loyola Brandão e mais (21/04/2017)


Fotos capa: montagem de imagens via Google
Outras fotos: Denis Akel 

Chegando agora à oitava postagem da longa estrada que tem sido os registros desta edição da Bienal do Livro do Ceará. Uma edição que me é muito marcante, por tantas transformações e mudanças que comecei a passar e observar durante cada um de seus dez dias. Por conta disso, esforço-me para conclui-la, mesmo já mais de um ano depois e com tantos eventos e atividades paralelas que me tem surgido, felizmente graças a contatos que começaram exatamente durante essa festa. 

Vamos lá, primeiro, como nos posts anteriores, com a réplica do que postei à época no Facebook, em seguida o oitavo dia, através de meus olhos, daquele dia e também de hoje, invariavelmente:  

"Na sexta-feira (21/04/2017), feriado de Tiradentes, me deparei com o maior número de pessoas que tinha visto até agora na Bienal. Desde que cheguei, no início da tarde, senti já o calor de tanta gente andando pela feira. Gosto dessa energia, ver tantas pessoas circulando entre livros, de curiosos ocasionais a típicos bibliófilos. Param nos cordéis, tantas energias, tantos mundos, cada um é uma caixinha de surpresas, um universo próprio, é uma delícia me fazer parte de tudo isso, apenas em transitar perto. As inúmeras crianças, dentro de suas maravilhosas realidades, mostram uma bienal diferente, inocente, que não podemos ver claramente, mas salta ao coração.A cada dia a programação da Bienal fica mais e mais especial. Nesse dia tinha pelo menos quatro palestras que queria ver. O dilema é o mesmo que permeia eventos grandes: horários. E não que fossem próximos uns dos outros, os quatro aconteciam na mesma hora, 16h. Na vida, tudo são escolhas. Abrir mão de uma coisa para receber outra, não se pode ter tudo (e que bom que não), assim procurei ver um pouco de pelos menos duas, escolhendo entre elas a que melhor me soasse para ficar até o fim. O primeiro momento foi a presença de Bráulio Tavares, que soube em cima da hora que estaria presente (graças à fraca divulgação dos convidados). Bráulio é escritor, compositor, grande pesquisador da cultura popular. Conheço seu trabalho de algum tempo, de documentários e vídeos enfocando repentistas e cordelistas, além de seu blog (http://mundofantasmo.blogspot.com), que tem uma impressionante frequência de atualização. Acho, contudo, que Bráulio foi um pouco aproveitado, tendo sua fala apenas na Praça do Cordel. No palco, dividiu a palavra com outros quatro parceiros. O lugar é bom, mas de muito movimento, o que dificulta um pouco quando há falas mais demoradas e contextualizadas. Em dias como esse, de colossal movimento, ficava complicado ouvir direito, muito disperso, gente passando, vozes paralelas. Não deu. Subi para a outra palestra.Em alguma sala do mezanino 2, aconteceu a palestra do professor Stélio Torquato, que conheci nos primeiros dias bienal, e cujo trabalho e simpatia têm me cativado. Stélio falaria numa mesa sobre as diferenças entre o erudito e o popular, com enfoque na obra que lançou nesta bienal, uma coletânea de adaptações de clássicos da literatura universal em cordel. Um trabalho muito interessante que nasceu da necessidade que sentiu de incentivar seus alunos que não gostavam, simpatizavam, com as obras originais. Era uma forma de aproximar, de fundir os dois mundos. Na mesa também estava a professora Fanka Santos, que eu ainda desconhecia, mas deu um espetáculo de colocação, enfocando o tema e buscando suas raízes em amplas pesquisas que conduziu. A conversa tinha ainda Ligia Holanda, que fez um estudo onde também expunha essa questão da linguagem popular ou erudita. Uma conversa rica, que se expandia por temas além da literatura, da filosofia, da cultura, para uma discussão que foi bem além de apenas estabelecer diferenças entre linguagens, mas respeitar tudo como linguagem absoluta.Havia ainda nesse dia uma fala que eu ansiava bastante, de ninguém menos que Ignácio de Loyola Brandão. Mais uma oportunidade de presenciar este mestre (a última tinha sido na Bienal daqui em 2012). A palestra começaria logo após a do professor Stélio, inclusive na mesma sala. A discussão dos cordéis se estendeu tanto que atrasou a mesa do cronista. Loyola já estava lá, sentado, nem um pouco apressado, curtindo o tema. Com o fim da mesa, o trio dos cordéis praticamente sumiu da sala e logo começou, sem um minuto de descanso, a mesa de Loyola.Não lembro a última vez que me maravilhei tanto com uma palestra, que me fascinei, emocionei. Talvez lá em 2012, com Loyola de novo. Não era, na verdade, uma palestra, mas uma conversa, como ele sempre faz questão de frisar. Loyola dividiu a mesa com a professora Vânia Vasconcelos, que falaria também de seu encanto pela escrita, tendo partido de uma vida de leitora assídua.Interrompido constantemente por uma tosse, a qual alertou desde o início, de uma gripe em processo de cura, o escritor contou detalhes de sua vida, desde muito cedo, quando lhe despontou o gosto pela escrita, a partir das aulas de uma professora que muito lhe significou: dona Lurdes. Citada constantemente, no hábito que lhe instruiu, anotar coisas em cadernos, de olhar o cotidiano. Ela lhe dizia "ouça e ande". Loyola disse que faz isso até hoje, que ainda usa caderninhos para anotar ideias e que sempre lhe salvam. "Os caderninhos são o instagram das crônicas" (Loyola).O autor falou de vivências, viagens, histórias, memórias. Falava com tanta presença, com pausas estratégias, que era quase como se narrasse uma crônica a cada colocação. Dava gosto de ouvir. E não apenas por eu também gostar de escrever, mas qualquer pessoa se encantaria com aquela lição de humanidade. Não só de acertos, longe disso, Loyola falou muito de erros. Os poucos acertos, segundo ele, são o que de fato o motivam. E podem vir na figura de analfabetos que aprenderam a ler por sua causa, de como suas palavras podem ir longe e mudar a vida de alguém. Loyola diz que este é seu melhor cachê.Outro destaque foi quando disse que não pretende se aposentar. "Vou me aposentar pra quê? Pra ficar preso em meu apartamento? É isso que é descansar? Não, eu faço o que faço porque gosto! Podem me chamar, que irei, de Ocara a Hong Kong!"Este sem dúvida foi daqueles momentos a ser guardados na gaveta de memórias mais preciosas. O tempo pareceu não passar, a conversa fluiu com uma tranquilidade, que mesmo as tosses de Loyola pareciam um tempero especial à mistura. Em uma mesa que teve pouquíssimas pessoas de público, tive a certeza de que foi melhor assim. Mais intimista, menos espetáculo. Não era uma palestra, era uma conversa. Ouça e ande, Loyola, a vida é um sopro. Voemos nela." 

Escrito e publicado originalmente em 21/04/2017, no Facebook

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(21/04/2017, texto revisitado em abril/maio 2018)



Ao chegar a este dia de grande movimento da Bienal, corri entre os pavilhões já buscando o que queria assistir. Muitas, muitas crianças enchiam os corredores e acessos, bonito de ver. Minha primeira parada, a Praça do Cordel. Bráulio Tavares e alguns outros palestravam. Bráulio é escritor, compositor, pesquisador da cultura popular. Admiro muito seu trabalho, que comecei a conhecer através de seu blog Mundo Fantasmo, com taxa de atualização impressionante. 

Ali, no saguão aberto, porém, muito barulho nos entornos favorecia desatenção, mesmo assim sentei um pouco em um dos bancos.



Falavam de assunto recorrente em várias falas desta bienal: o fim do livro, ante as novas tecnologias, inicialmente o fim dos cordéis, já pouco valorizados nos dias de hoje. Consideravam possibilidades, novos caminhos da poesia, da literatura. Braúlio falou que a memória poética estará sim viva, mesmo que não exista mais o folheto cordel, será transmitida com a tecnologia que nós teremos na época.

"Haverá provavelmente uma época onde teremos chips implantados em nosso corpo, e neles teremos tudo o que precisamos saber, e lá com certeza estará literatura e poesia."Braúlio Tavares
"O livro pode acabar, mas a literatura não" – disse um de seus companheiros de bancada.
Braúlio falou ainda do cordel europeu, tema rico, pertinente, mas a dispersão do ambiente me desanimava a cada frase mal compreendida. Ainda acho que a presença dele poderia ter gerado um outro debate mais concentrado numa das salas dos mezaninos, infelizmente ficou apenas aqui e no Café Literário (no dia seguinte). 



Neste dia tive novamente a companhia de minha amiga do quinto dia. Ela inclusive tinha sido aluna do professor Stélio Torquato, e por isso muito o recomendou. Conversei um pouco com ele na outra vez, falamos de Mia Couto e origens de palavras africanas. Agora, a oportunidade de ver uma fala do professor, bem como de Lígia Holanda e Fanka Santos, que ainda desconhecia, abordando as muitas faces da cultura do cordel, seria grande felicidade. 

Seguimos para lá.

MESA (16h): A ARTE DO CORDEL: ENTRE O CLÁSSICO E O POPULAR – Stélio Torquato Lima, Lígia Holanda e Fanka Santos – Mediação: não consegui pegar seu nome. 



Auditório fraco de presença, muita cadeira vazia. Tomamos lugares sem grande dificuldade. Uma projeção dividia espaço no palco, nela apenas o logotipo do III Salão do Professor, subdivisão das palestras daquela ala. Os professores assumiram seus lugares, Stélio montou um notebook e a conversa teve início, pelos primórdios dos folhetos de cordel:

"Leandro Gomes de Barros criou um sistema inteiro. O folheto não é apenas literatura, ele é história, é geografia, é muito além de literatura. Se estudar somente as capas, verá um amplo estudo dos desenhos, das gravuras. Os poetas antigos chamavam de folheto, não de cordel"Fanka Santos

Logo neste começo, surgiu uma polêmica, por parte de alguém do público. A possibilidade de haver certo preconceito de os livros tradicionais estarem separados dos cordéis, como se estes fossem menores, não estivessem nivelados. "Por que a praça do cordel não é dentro, no coração da feira?",outro alguém comentou. Fazia sentido, e muito. Um dos três professores começou a responder, mas não se tinha uma resposta precisa e factual, cabendo a um dos responsáveis da própria bienal assumir o ponto. Disseram que aquela tinha sido uma decisão em comum acordo com os cordelistas, que a praça do cordel era sim um dos pontos mais visitados e queridos da feira e o fato de ela não estar junto aos demais estandes em nenhum momento desvalorizaria os folhetos. 

Seguiu-se silêncio que falou muito mais que qualquer palavra. Os professores retomaram o foco:

"Para entendermos suas origens, é preciso desconstruir a historiografia já escrita sobre o cordel"Fanka 




Maria das Neves Pimentel é citada. Ela foi a primeira mulher a publicar cordel que se tem registro, em 1938. Em sua obra O violino do diabo ou o valor da honestidade, acaba por assinar como Altino Alagoano. Numa época onde as mulheres não era vistas como autoras, Maria usa o nome do marido, Altino, e o sobrenome seguindo tradição dos cordelistas, seu local de nascimento, no caso Alagoas. 

E vem à tona a fragilidade do conhecimento da história do cordel em nosso país:

"Não há grandes arquivos do cordel no Brasil, tive de ir à França atrás"Fanka 

Falou-se de um Augusto Nobre, presente na plateia. Mas quem é mesmo ele? No momento não o conheci e mesmo agora, para reescrever parte deste post, não encontrei informações sobre ele.  

Foi uma mesa relativamente difícil, o tema me era novidade, não consegui registrar direito, por não saber exatamente quem era quem. Quem era Fanka ou Lígia? E se anotasse algo de uma mas na verdade fosse da outra? Esperei uma das duas serem chamadas, de modo que ficasse evidente, só aí me soltando, e já fixando mentalmente: Fanka era a de preto. 

Lígia citou Nazaré Flor, como outra mulher que deixou sua marca na literatura popular. Nazaré, trabalhadora rural, sempre gostou de cantar e escreveu sua vida e das mulheres de sua comunidade em versos. Escreve de forma simples e autêntica. Publicou o livro Canção e Flor, em 2002. Veja mais sobre ela na página 98 deste documento. 

"Ela bebe muito do cordel, mas não tem preocupação com métrica"Lígia

Falou-se do atual grande número de mulheres cordelistas, de entrevista dada por Nazaré, sobre confrontos nesse sentido e de Maria da Paz, outra cordelista a participar da luta pela palavra nas mãos femininas.  

A palavra seguiu ao professor Stélio, que apresentou seu trabalho. Segundo ele, seus alunos tinham temor com obras literárias muito extensas, e lhe ocorreu ideia de fazer versão em cordel de obras assim, e isso cresceu, fez vários, logo os publicou, assim se tornou de professor de literatura a cordelista.

"Transito constantemente entre o erudito e o popular" – Stélio Torquato

Mencionou a cadeira teoria do verso, na qual se aprende conceitos, métrica, da fronteira que há entre ela e o dito popular. Falou da história da literatura popular no Brasil, da origem da palavra 'clássico', que vem de classe, eram os livros "escolhidos" pelos alunos. Comenta ainda de Santaninha, o quase desconhecido pioneiro do cordel, que escrevia folhetos quando Leandro Gomes de Barros ainda era criança. 
  
"O cordel como vingança poética", Stélio cita frase atribuída a Santaninha

"O cordel tem sempre a condenação do mal e a premiação do bem"Stélio 




Ainda com um pé no passado, o professor enfoca a Epopeia de Gilgamesh, 1º escrito literário que se tem notícia, estimado do século VII a.C, uma compilação de histórias conhecidas, ainda em barro. Esclarece também dúvidas e curiosidades comuns da linguagem do cordel: "Cordel tem 7 sílabas, porque é mais ou menos o ritmo da nossa respiração." 

Stelio disse estar em processo de adaptar Grande Sertão: Veredas para o cordel. 

Entendi que ele conduzia também pesquisa que visava republicar os livros de Francisco das Chagas Batista, o Santaninha. O 1º dos 24 livros, já tinha saído. 

"Cordelistas trabalham sempre com múltiplos de 8, na estruturação dos versos e estrofes. Procuro manter a essência da obra, quando faço a adaptação" – Stélio 

"O cordel rejeita o flashback"Stélio 

"As obras eruditas constroem personagens que oscilam entre o bem e o mal. Em cordel, isso é impossível, impraticável" – Stélio

"A rima é muito importante, te permite memorizar. Cordel só se escreve em 4 estrofes. Há as quadras, sextilhas" – Stélio

Logo vieram perguntas do público: 

Alguém pergunta o que o professor considera um livro raro: 

"Livro raro é aquele que a gente empresta e devolvem. Quando não devolvem, acho lindo", Stélio, que revela aqui sua veia bem humorada. 

Surge pergunta sobre o dito menosprezo do cordel ante as demais culturas. Como incentivar os jovens de hoje a ler?

"Os estados criaram os ditos autores, criaram mesmo. Homero era cego, não escrevia nada. O cânone da literatura criou o que devemos ler. A crítica literária é muito opressora. A melhor maneira de aproximar é não ter preconceito através de qualquer linguagem."Stélio 

Fanka cita algo do livro Boca do Inferno, de Ana Miranda, quanto à oralidade, em seguida completa:

"O incentivo da literatura pode vir de qualquer lugar, não é só os grandes nomes não", e chamou Stélio de grande escritor. "Veja o filme 'O Auto da Compadecida' e depois mostre os folhetos. Tudo estará lá" – Fanka


A pessoa que mediava a fala tornou a explicar os motivos do cordel ter sido separado dos demais livros, que já tinha sua força consolidada e tudo o mais. Foram as palavras a fechar a palestra, entre aplausos do público presente, enquanto o trio deixava a sala. 


Neste momento final, já tinha reparado a presença do escritor Ignácio de Loyola Brandão, na plateia. Loyola faria a palestra seguinte, juntamente à professora Vânia Vasconcelos, exatamente naquela sala. Ansiava assistir. Admiro imensamente o escritor, pela vida e obra. Li ainda pouco de sua vasta produção, mas suficiente a mergulhar num mundo próprio, talhado na oralidade, no imprevisto, em tantas crônicas que beiram o absurdo do aceitável. Estive numa fala dele, em 2012, na mesma Bienal do Ceará (veja aqui). Agora, nova oportunidade de ouvir este grande mestre de nossa literatura. Sair da sala? Banheiro? Acabei não, perderia detalhes preciosos das engrenagens do acaso que operam sempre nos momentos que ninguém aparentemente repara. Eram agora 17:45. 

MESA (17h30): CONTO DE ESCOLA – Ignácio de Loyola Brandão, Vânia Vasconcelos – Mediação:  Sarah Diva 



Um privilégio estar ali, naquele auditório, prestes a ouvir mestre Loyola mais uma vez. Fiquei muito contente também em ver que a mediadora seria a professora Sarah Diva, que já conhecia de vista de outros momentos, como quando mediou Luiz Ruffato na Bienal do Ceará de 2014. Ela tem serenidade no olhar, como se desdobrasse a literatura de maneira muito natural, sem qualquer esforço, uma presença realmente terna. Vânia eu ainda não conhecia, mas desmanchava-se em sorrisos, já senti uma aura incrível naquele trio. 

Sarah abriu a mesa, também agradecendo por estar lá naquele momento: "Tempos de escola, quantas recordações... quantas memórias não é gente?"

Loyola já mostra a que veio: disse que ia ser interrompido pela tosse, não pela velhice, pela gripe que lhe pegou há dez dias e ainda não a debelou. É este tipo de fala que o torna tão singular, a capacidade de rir, não levar-se tão a sério. O escritor faria uma fala introdutória, de seu ofício, como começou, primeiras leituras, escritas, professoras etc.

Reforçou que não é professor, crítico ou teórico, é contador de histórias e faz isso por suas professoras, Lurdes e outra que infelizmente me fugiu o nome. Loyola tem incrível capacidade de mesclar o passado e o presente em suas falas. Fala da professora Lurdes, ainda viva, com noventa e poucos anos, que manda a ela seus livros, os quais adora ler, mas que nunca deixa de ser professora: "Ela me chamava de menino, ainda hoje ela diz: o menino escreve coisas tão curiosas! Mas o menino ainda comete errinhos! Professoras nunca deixam de ser professoras!" 

"Escrevo também por meu pai"Loyola  

Falou de exemplo de vida, dado por sua professora Lurdes: "Ela deu uma cadernetinha a cada aluno e pediu que anotássemos coisas da vida. Isso nos anos 40. Fizemos, mas eram meio sem graça, ela então explicou, mostrou como podíamos fazer" 

"A fantasia é a coisa mais importante da vida, pois ajuda a gente a suportar a vida. Não tem nada que não exista, se você colocou bem na história, é verdadeiro, já existe. Até hoje uso as cadernetinhas, são a minha realidade. É o instagram das crônicas." Loyola 

Eu mal piscava ouvindo estas primeiras palavras, me identificando em cada uma delas, o registro, a caderneta, o papel, o agora, a palavra. Desde que mergulhei na literatura, costumo usar caderninhos para registrar ideias e fatos, e ocasionalmente alguns eventos, como nasceram boa parte dos textos de outras postagens deste blog. Mas à época desta bienal, percebia que poderia ressignificar meus caderninhos, mesclando desenhos, experimentando textos soltos, anotando não só o que via mas o que não via ou supunha ver. Já fazia diários gráficos e coisas assim, muito inspirado em meu irmão Diego Akel, mas a partir daqui comecei a usar caderninhos no dia a dia, e cadernos o mais ordinários possíveis, nada de moleskines, queria apenas o suporte bruto do papel a algo que vejo ou não vejo sinto ou não sinto e pode-se perder no passar do minuto. Loyola aqui dava uma lição que de alguma forma parecia estar em mim, e deve estar em todo escritor, imagino. O melhor que pude fazer por enquanto foi lhe sorrir, talvez ele não tenha percebido, mas me fez sentir bem, enquanto seguia anotando minha caderneta. 

"Lourdes dizia: ouça e ande."

Outra grandiosa lição. É o que se vê, o que se ouve, é lá que residem as boas histórias, à espera de serem contadas. Nascem dos locais mais atípicos, como filas, taxistas, ônibus, rotina, como se se pudesse pescá-las numa enorme tarrafa. Mas nem todos podem ou querem vê-las.

"Não dirijo, caminho muito. À medida que ando, as coisas grudam no pé da gente." 
Cada trecho, cada trechinho que Loyola dizia, me fazia explodir de divagações, podia quase vê-lo, caminhando pela cidade e questionando isso ou aquilo e anotando isso e aquilo. Sim, caminhar é tudo para um escritor, pôr-se em movimento, mas um movimento autônomo, não guiado na obviedade de carros ou mesmo ônibus. 

"A professora fazia que uns lessem e dessem nota aos outros, já favorecia a crítica naquela idade."Loyola



Ele contava histórias da escola com tanta vivacidade que pareciam ter acontecido ontem. Era possível visualizar tudo, os coleguinhas lendo, temerosos, os risos abafados. Quantos anos fazem? 70? Quanto mais eu pensava, a situação da época, os costumes, a vida, mais me impressionava. Claro que devia fazer décadas que reconta estas memórias, devem estar em vários de seus livros, mas de alguma forma parece ser sempre a primeira vez. 

"Conto histórias em SP, que misturem música com histórias de minha vida."Loyola referia-se ao espetáculo Solidão no fundo da agulha, que apresenta ao lado de sua filha, Rita Gullo. Ele conta histórias, ela as interpreta musicalmente. 

"A inspiração é olhar em volta. Tudo tá em volta, principalmente para o cronista"Loyola

Lembrou-se de uma história de infância, de um tempo onde tudo o que queria era um sapato de camurça: "Um colega meu tinha, eu quis também. Aí consegui, comprei, mas achei aquilo muito cafona. Queria que me admirassem, todos temos carências".

"Quando a gente ama, tudo acontece" – Loyola

Uma frase poderosa, incalculável. Ficou e ainda fica muito em mim. 

Falou de seu 'amor' por Branca de Neve: 

"A professora Lurdes tinha um exercício interessante: ler um livro clássico e reescrever. Reescrever é uma forma de aprender a escrever." 

Tinha ciúmes de Branca de Neve, e reescreveu a história de modo a vingar-se: Branca fazia comida com cogumelos envenenados e matava os anões: "Foi chocante, todo mundo na escola comentou, você matou os anões! Foi meu 1º momento de celebridade." 

"Literatura é uma forma de vingança. Tudo o que você tem de esquisito por dentro você resolve, ou tenta resolver, pela literatura. Literatura é provocação"Loyola

Isso me lembrou muito o escritor Marcelino Freire, a coisa da vingança, da arma pela palavra. 

"Tive pai que adorava ler. Tinha biblioteca com uns mil livros, e não tinha biblioteca em Araraquara" 

A professora Vânia assume palavra. Diz que lançou algumas antologias mas que é antes de tudo professora e leitora. Conta como começou o gosto pela leitura, através do livro Elenco de cronistas modernos (1975).

"Aos 14 anos, me inclinei muito na leitura e também na escrita, escrevendo sobre o livro O Tempo e o Vento. Queria fazer isso a vida inteira, ler e escrever sobre o que li."Vânia 

Vânia resgata um passado recente, ao falar da Bienal fora da Bienal, evento paralelo da Bienal do Livro do Ceará, de 2004, que também teve Loyola. O escritor quis ir a um município simples, onde só houvesse uma escola, igreja, e assim foi a Ocara, interior do Ceará. 

"Inácio é generoso, conta com prazer como foi seu início, sua história, nos caderninhos. É como Mia Couto, que conversava com artesãos, na época dele"Vânia 

As histórias de Ocara eu já bem conhecia lá de 2012, mas como disse, parecia a primeira vez que ouvia:

"Uma senhora veio e perguntou a Inácio como ele coloca as letrinhas no papel. Inácio se emocionou. Ela lhe deu uma garrafa de mel que colheu de seu quintal."Vânia 

"Tenho uma carreira de 60 anos e esse foi um dos momentos mais emocionantes de todos"Loyola

"Onde o senhor pega suas letrinhas? O senhor as compra da mesma forma que eu compro as minhas sementes?" (Eram três senhoras) 

Loyola seguia com seu tom de pura prosa, tudo o que dizia era quase um texto, crônica pronta. Contou que reencontrou as senhoras anos depois e lhe disseram que aprenderam a ler: "Uma pessoa aprendeu a ler, minha carreira já valeu a pena. Por isso viajo muito, pra todo lugar, eu vou, vou mesmo, vou ficar no meu ap trancado? SP não é tudo. É, e ao mesmo tempo não é." 

Ele ainda acabaria por publicar um livro, O mel de Ocara (2013), inspirado nestes fatos.



Contou de certa feira que participou, onde falava de seu livro O homem que não gostava de segunda-feira, do conto do homem que falava com uma formiga.

"Vale tudo na hora que se escreve"Loyola 

"O senhor é louco? E o senhor acha que tá certo?" – Disse que ouviu de alguém do público, ante a excentricidade da história. E ainda, que um analfabeto o procurou, não leu o conto mas ao saber do enredo sorriu aliviado. "O homem disse que tinha um tio que dizia ouvir as formigas, e se sentiu agradecido."

"A gente não tem ideia de onde as palavras podem ir. Podem chegar a qualquer lugar. Chegaram a esse analfabeto. É por isso que escrevo tudo, tudo o que quero escrever"Loyola 

Essas palavras, à época, me fascinaram e agora, em pleno maio de 2018, quando arremato esses textos, me tocam ainda mais. Tenho sentido muito bem o impacto das palavras, o alcance ou não alcance, o quão estão vivas depois de escritas. Falarei mais disso no final do post 10, o último desta série. 

"Minhas crônicas começam com alguma coisa que li. Separo a escritora da professora"Vânia

Mergulhando um pouco em sua extensa obra, Loyola comentou o livro Dentes ao Sol

"O livro que nunca foi criticado, vendeu pouco. 'Dentes ao Sol', gosto dele porque temo me tornar um pouco aquele personagem"

Explicava o personagem do livro com tanto afinco que pensei tratar-se de alguém que existia, reforçando a profundidade de seus textos. 

"Ou você tenta fazer as coisas, ou se entrega"Loyola 

"Depois fiz outros livros, errei muito, uns 5 ou 7 fizeram sucesso"Loyola 

Nos EUA, num curso que fez, alguém falou de Dentes ao Sol, que reconheceu ali a cidade de Albuquerque. "Pronto, já valeu a pena ter escrito." 

"Estou há 10 anos sem escrever romance, não sei se sou romancista." – Loyola 

Voltando-se agora ao gênero crônicas, um dos mais praticados por ele, debruçou-se sobre questão recorrente, a força da crônica como texto literário.

"A crônica é gênero menor? Só quando é mal feita. Bem feita é gênero maior." – Loyola

Cita amplamente grandes cronistas que admira: João do Rio, Henrique Pongetti e Olavo Bilac (pouco conhecido por suas crônicas).

"Como se sabe do passado do cotidiano? Pela crônica. Os historiadores do futuro terão que se voltar aos cronistas" – Loyola

É curioso, crônica é um gênero que sempre me fascinou, a urgência de escrita, como o próprio nome 'crônica' sugere, algo crônico. Invariavelmente, escrevo muito nessa linha, quase a totalidade de postagens deste blog tem sido feita desta forma, sempre partindo de um resgate de memória, um pé num passado a ser sedimentado.

"A cadernetinha me salva muito, nessa coisa do prazo. Perguntam ao Luis Fernando Veríssimo qual a inspiração para suas crônicas. O prazo de entrega"Loyola 

"Nunca tirei férias. O leitor espera e você tem que tá lá."Loyola 

Agora penetrando noutro gênero, Vânia cita conto de Loyola, O homem que viu o lagarto comer seu filho, trazendo o texto como base para falar do país: "O conto é uma metáfora do Brasil de hoje."

Loyola toma seu tempo e explica a história, de forma clara como as dezenas de luzes a nos encandear lá do teto. 

"Uma coisa que você não vê, não mexe com você"Loyola

"Fernando Góes, crítico, disse que se referia no conto à classe média, à ditadura, que engole as pessoas. Quando escrevi, não estava pensando em nada disso. Acordei, fui ao quarto de meu filho e o vi sangrando. Deve ter sonhado, virou-se e bateu a boca na mesa. Mediquei, tirei a mesa e saí. Fiquei pensando naquilo. Tinha que escrever crônica para o dia seguinte. Vi janela no dia seguinte, riscos na janela, vi ali uma lagartixa, nos riscos de uma pedra e escrevi a crônica."Loyola

"Por mais oculto que seja, o leitor que tiver que te ler, te entenderá"Loyola 



Loyola soltou título do seu novo romance, que ninguém sabe que está escrevendo. Como ninguém sabe, preferi também não saber. Fiz que não ouvi e agora realmente não lembro. 

Ainda sobre processo de criação, Loyola cita outro exemplo: "Uma vez ouvi, numa parada de ônibus, uma senhora falando da dificuldade de falar 'problema' e 'poblema'. É uma crônica. O cronista tem que ir na linguagem do povo" 

"Não há nenhum escritor que não reproduza seu tempo." – Loyola

Havia certa lentidão na chegada do microfone a quem se aventurasse a perguntar. Pensei em perguntar sobre Moacyr Scliar, grande amigo de Loyola (Nota: Moacyr Scliar, falecido em 2011, foi médico, escritor, cronista, contista), que muito admiro e foi das primeiras inclinações a me jogar na literatura, mas era difícil decisão. Nessa época eu começava a soltar as mãos da timidez, e imaginar os olhos de todos em mim ainda era espetacular risco. Não perguntei. Na verdade não seria exatamente uma pergunta, que ele contasse alguma historieta envolvendo ambos, já seria ótimo. 

Adaptações de suas obras foram o ponto a seguir: 

"Imagens me impressionam muito. Cresci vendo cinema" - Loyola 

"Não autorizo 'Não verás país nenhum' pro cinema. Deve ser um pouco de egoísmo. A não ser que seja um Blade Runner. Acho que sou um pouco covarde nisso." – Loyola, sobre este que é um de seus principais romances, de 1981, já adaptado para teatro. 

"Gostava de cinema mas não ia porque era caro. Passei a escrever crítica, pois soube que os críticos tinham um passe livre que podiam não pagar. Escrevi uma, duas, três, publicaram. Sou crítico do jornal?" É sim, e me deram um passe. Assisti tudo." – Loyola 

"Não saio antes do fim do filme. Mesmo filme ruim, fico até o fim, tenho medo que melhore depois que eu sair. Fazer filme é difícil, muito envolvimento, muita gente. Será que no meio de tudo isso não há nada proveitoso? Meu primeiro sonho era ser diretor, fui preguiçoso. Sou cronista, qualquer coisa errada na crônica a culpa é minha. Um filme dá errado, a culpa é de quem?"Loyola 

Essa colocação me fez, me faz pensar, e de certa forma enraizou-se em mim, sempre tornando de agora em diante quando vejo um filme aparentemente fraco, lembro de Loyola, sigo buscando algum acerto, algo proveitoso, e a ideia pode trespassar o cinema e chegar às demais artes, livros, música, artes plásticas. Uma reflexão permanente. 

"Faço o que faço por prazer. É um saco ficar dentro de casa. De Ocara a Hong Kong, eu vou mesmo" – Loyola



Hoje em dia, da data que escrevo este texto, concordo mais do que nunca com Loyola. Geralmente, dentro de casa tudo se arrasta, as horas passam diferentes, não há muito foco, estímulo ou meta, que começa a se desenhar quando, como diz minha mãe, se vai pra rua. É na rua, seja em Ocara, Hong Kong, ou até na calçada aqui de casa, que uma vida acontece. 

"Meus amigos falam que se aposentaram. Dizem: 'entrei no meu emprego já pensando em me aposentar' Foi? E no meio tempo, fez o quê? Vocês fazem o que agora? Eles fazem o quê? Eles estão mortos, não fazem nada. 'Ah, a gente não faz nada, a gente lê jornal.' Lê o quê? Esporte?" – Loyola 

Esta dura crítica do escritor de alguma maneira me lembrou célebre citação de Oscar Wilde: "Viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas apenas existe." 

"O litro de mel foi o maior cachê que já recebi, foi o meu oscar, o meu Nobel. Vou fazer isso a vida inteira, tenho medo de parar, não dá certo não. A vida é um sopro, Oscar Niemeyer disse aos 104, e eu vou nela." – Loyola 

Já nos minutos finais do glorioso debate, o escritor brincou com a plateia:



"Quando é pouca gente, ninguém vai embora. Quem fica até o fim é porque tá muito interessado. Ninguém vem pra frente, por que? Alguém sabe? Então descubram!" – Loyola 

Deste desfecho, palmas carregadas encheram o auditório, incrível pouca gente ter feito tanto barulho,  cuidei para dar o melhor de mim naqueles aplausos. 

Loyola recebeu e cumprimentou as pessoas ali mesmo, de pé nos entornos do auditório. Diferente dos demais convidados, não havia mesas com seus livros, o que achei ótimo, mais intimista. E um dos momentos mais icônicos do dia aconteceu justamente aqui, na hora das aproximações ao escritor. Uma moça, visivelmente mais alta que ele, quis uma foto. Expansivo, o autor buscou a cadeira mais próxima e, sem qualquer cerimônia, postou-se de pé nela, posando à foto. Todos riram. A foto saiu dos mais variados ângulos, a pose ganhando mais destaque do que a foto propriamente dita. Fiquei pensando como a moça se referiria a ela no futuro: "a foto que tirei com Loyola, ele subiu numa cadeira!" ou "olhem quem saiu mais alto, sabem por quê?". Do alto da cadeira, o escritor chamou atenção a vários outros cliques, inclusive o meu:



Quis falar com ele, ao mesmo tempo pensei em não falar. Mas arrisquei, estava tão acessível. Usando  tudo o que absorvi na fala, era mais do que necessário dizer-lhe algo. Não podia retroceder, agora não, estar ali era sinal de que devia ir em frente. Fui. Chamei, Loyola, com licença, quero agradecer, também escrevo e seguimos conversa de minuto. Falei meio atrapalhado mas falei. Falei até mais do que achava que falaria, na hora as palavras soltaram-se, como afinal tem que ser. Mostrei-lhe minha cadernetinha, de como tinha hábito similar. Loyola me acompanhava no olhar, surpreso quando lhe mostrei parte do registro que acabara de fazer (e que agora, mesmo 1 ano depois, foi guia para todo esse texto). Neste momento, havia um amigo a seu lado, e à medida que nossa conversa fluía, esse amigo citou a Revista Planeta, como celeiro de gerações de escritores e cronistas. "Pesquise essa revista, eu trabalhei por vários anos lá, tem muitos cronistas, muita coisa por descobrir", aconselhou Loyola.



Nesta época, me havia uma emoção muito específica, cósmica, de ter contato com qualquer dos autores da Bienal, sobretudo um tão significativo como me é Loyola. Como se descobrisse um novo planeta, respirasse novo ar, reaprendesse a andar. Talvez por ter sempre ficado quieto e calado em todos os eventos anteriores a esse, mesmo já com os dois pés na literatura, deixava de usufruir o frescor do tato, do olho, sobretudo da conversa de poucos minutos, da chance da troca, de um aperto de mão, uma palavra, a palavra. Esta Bienal começava a mudar, inverter drasticamente este cenário, chacoalhar mesmo. Começou com Válter Hugo Mãe, lá no início, ao lado do queridamigo Marcelino Freire e agora chegava a Loyola. Era uma confiança renovada, como que pudesse apostar mais em mim, talvez além do que posso escrever nestes textos. Me sentia outra pessoa. Voltarei a falar dessas sensações no post 10, o post final desta série. 

Iluminado por toda essa aura, somada à fala do erudito e o popular, que estava ainda guardadinha num lugar especial da mente, deixei o auditório, com minha amiga, e seguimos a lanchar, bem como buscar expressar o que de nós conseguiu ficar indiferente àquele choque de sentidos. A noite veio e com ela os horários e rotinas. Ela teve de ir, eu logo me iria também, mas não sem antes dar novo passeio pelos estandes, ventilar a mente, ou talvez contaminá-la ainda mais de toda aquela gente. Via histórias onde quer que olhasse, um detalhe ali, um boné aqui. Minha vontade era meio que começar a escrever ali mesmo, melhor dizendo, continuar escrevendo. Nessa época, tentei fazer alguns textos dessas observações, as Crônicas da Bienal. Acho que fiz umas quatro, publicadas em meu outro blog, das dezenas planejadas. Falarei mais sobre isso também no post 10.






A agitação continuava alta nas primeiras horas da noite, neste feriado de Tiradentes. Palco animado na Praça do Cordel. Música, verso, cantoria. Fiquei por ali, mesmo na cabeça estalando as falas de Loyola, bem como todos os acontecimentos de dia tão intenso. Subi rapidamente a um dos mezaninos, havia a última palestra daquele dia, com o professor e político Renato Janine. Interessava-me mais a mediação, nas mãos do professor Jackson Sampaio, que ouvi na bienal de 2014. Lá chegando, deparo-me com um auditório cheio e ninguém menos que Lira Neto como mediador. Jackson deve ter tido imprevisto. Desculpe Lira, mas preferi passar essa. A cabeça já difícil de processar. 







Vaguei pela feira novamente, olhando livros, promoções. Comprei nenhum, apenas na liberdade do olhar, me fiz no folhear. 




Tornando à rua, no brinde da noite, luz dos muitos carrinhos de comidas e todo um novo mundo que passava a descobrir ou redescobrir. Meu olhar era outro, eu era outro. Ouça e ande, voe, imagem, tempo, cotidiano, vale tudo... tudo me voltava, como que carimbado em cada daquelas lajotas do chão, em cada testa, fresta de possibilidade. Memória.  

Pensei bastante também na professora Lourdes, que professora é essa? Que método vasto, livre, instigante. Quem terá sido o professor ou professora dela? Isso daria outra palestra, ou quem sabe até mais um livro, hein Loyola? 

Ouçamos e andemos! 



Continua no dia 9, com Braúlio Tavares, Iêda de Oliveira Cristóvão Tezza, Lira Neto e mais.