Frases


"O coração que se ganha é o que se dá em troca"Marcelino Freire



sábado, 17 de agosto de 2019

Considerações sobre a Bienal do Livro do Ceará 2019


Começou nesta sexta, 16/08/2019, a XIII edição da Bienal do Livro do Ceará. Em outros tempos, essa talvez fosse a maior de minhas realizações, mas o tempo passa e muitas vezes nos torna mais lúcidos.

Tenho muito carinho pelas Bienais aqui de Fortaleza, as primeiras que lembro ter ido foram dos longínquos anos de 2002 e 2004, ainda no antigo e gracioso centro de eventos. Mas foi a partir da edição de 2010 que passei a olhá-la sob os olhos da criação e do registro, a primeira que estive em boa parte dos debates e me descobri naturalmente tentado a escrever sobre, comentar e até mesmo criticar o que me parecia estranho ou desnecessário, através da escrita. Era uma época em que meu contato maior com a literatura dependia muito da Bienal. E assim seguiram-se as edições de 2012, 2014, o incomum intervalo de três anos para 2017. Em todas elas estive presente, acabando por ganhar alguma notoriedade em 2017, onde mais ousado, passei a não apenas escrever e comentar impressões, como também conversar com o máximo de autores e pessoas que conseguia, assim conseguindo filtrar algo além do que o óbvio parecia dizer. Era também um lado meu que desconhecia ganhando forma. Aliás, ainda faltam duas postagens aqui para fechar as 10 referentes aos 10 dias da Bienal de 2017, e na última eu falaria de toda essa transformação que vivi naquele ano, passando de apenas um narrador a personagem e quase protagonista algumas vezes. Estas postagens estão esboçadas e logo mais serão publicadas.

Após algumas vivências em oficinas e feiras e festas literárias pelo país, essas mudanças intensificaram-se, havia uma curiosidade frequente e quase eterna em mim, e para todo canto que ia levava pelo menos um caderno, onde não apenas falas e palestras me interessavam, mas o perceber o mundo, este que talvez agora passasse a conhecer, ouvir, viver, tudo isso fascinava, tudo isso falava, parecia tão natural esse ouvir. Me sinto cada vez mais nos trilhos literários, e também nas artes plásticas e visuais, como uma grande caixa repleta de instrumentos prontos a usar. E entre oportunidades de mediar debates, dar oficinas, publicar os primeiros materiais impressos (Livro Zero e Parada Curva), seguia publicando este mesmo estilo de texto que tanto usei nesse blog, mas dessa vez no Instagram e Facebook (em breve trarei o material lá postado textos para cá) sobre eventos não apenas literários mas culturais, qualquer coisa que sentisse que devia escrever, escrevia: frases ouvidas, pensamentos, lamentos, não havia critério, e tome caderno e caneta, mas eu tinha tenho pressa, e gostando cada vez mais de ouvir. De 2017 para cá tal mergulho me levou a realmente focar para viver do trabalho literário e artístico, algo cada vez mais delicado na cidade de Fortaleza, sobretudo nesse período complicado em que vive o país.

A Bienal de 2019 parecia distante, havia até boatos de que não ocorreria. Fiquei muito satisfeito quando, em fevereiro se não me engano, divulgaram  alguns nomes de autores. Bem mais cedo que as edições recentes e dessa vez teve até evento de pré-lançamento. Muito amigos que fiz ao longo desta caminhada pelas letras estão na organização ou curadoria do evento, o que certamente torna a experiência ainda mais familiar e receptiva. Para essa edição, contudo, eu sabia que não poderia, nem deveria mais fazer como sempre fiz, não deveria mais postar aqui as vivências da bienal apenas por postar, era possível ir além, minha cabeça já opera além, vejo possibilidades de se levar isso adiante. E como fazer isso? Enviando um projeto para eles, como tantos amigos enviavam, para lançar livros ou rodas de debate ou recitais, o que fosse, havia essa opção que me cairia perfeitamente. Poderíamos fechar um acordo interessante, e me debrucei a escrever o projeto, com a grande ajuda de meu irmão, Diego Akel, tão acostumado a esses processos de vida.

A ideia do projeto, que chamei Becos da Bienal, não era muito diferente do que fiz aqui ao longo dos anos nas Bienais anteriores, mas dessa vez seria algo oficial, algo "dentro" da programação, algo o qual seria divulgado por eles e não apenas por mim. Visando levar a experiência da Bienal aos que não podem ou mesmo oferecer um olhar mais diferenciado, eu estaria novamente os dez dias de evento, e escreveria pelo menos uma crônica de tudo o que tinha visto (ou não visto), entre falas e palestras, mas mais focado nos acasos, buscar detalhes e cenas que se perdem naquele complexo de luzes apoteóticas. Estes textos não seriam jornalísticos, não haveria necessidade de informar ou divulgar mas mais movidos pela paixão criativa, seriam acompanhados de dez fotos que de alguma forma resumissem aquele dia e eventualmente de algum desenho também feito por mim dialogando as outras linguagens. A cada dia haveria esse ramalhete visual, além do texto, costurando uma visão que imagino ser bastante diferente da típica cobertura que é feita sempre, não apenas na Bienal, mas em todo e qualquer evento similar. Nunca se investe em algo diferente, nunca arriscam, nunca se renovam de fato.

Evidente que seria um trabalho hiper mega cansativo, passar os dez dias, da manhã à noite, na Bienal, e a cada noite filtrar o material de meus cadernos e já lapidar o que seria postado antes do dia seguinte, nas redes sociais. Por conta disso, era natural que houvesse um retorno, um cachê condizente à essa realidade. Foi o que coloquei no projeto. Os coordenadores abriram as portas, mas alertaram desde o início a questão da verba, segundo eles difícil esse ano. Mas eu deveria arriscar, o máximo que poderia era ouvir um não. O projeto foi enviado no início de maio, e seguiu-se um hiato de quase dois meses sem nenhuma resposta. Esperava ao menos o não ou quem sabe uma contra proposta, mas realmente não esperava o silêncio.
E agora às vésperas, descubro que não acharam ou não leram meu projeto, não sei o que aconteceu. Foi-me dito que ele já teria sido recusado de cara por ter orçamento, como tantos outros o foram. Certo, mas custava avisar às pessoas? É preciso se programar para um trabalho. Já em cima da hora de começar eu ainda achava que seria contemplado. Sem verba, eles tiveram um enorme déficit, foi também o que me disseram. Falaram em uma data, um dia que teria uma vaga não preenchida, mas não era para nada tão alucinado como meu projeto, era para apenas lançar livro ou fazer palestra, e não haveria nada de cachê e sequer uma ajuda de custo. Tempos difíceis. Com certeza não está fácil, reconheço, e é louvável todo esforço que fizeram para mais uma bienal, mas um evento desse porte não é tão desamparado assim, não se traz tantos convidados sem um mínimo de recursos (será que Mia Couto e Raduan Nassar foram cancelados de última hora por isso?). Não estou muito por dentro da programação esse ano mas mesmo o Bienal fora da Bienal foi mantido, talvez por já perceberem o prestígio da atividade. Meu projeto acaba sendo incompreendido, não tem uma forma ou resultado claro, é o que tiver de ser, o que acontecer, é quase como um poema antes de nascer, começa numa sensação, lá longe, e verte-se em palavra, tenta-se fechar nesse corpo sentido, sem sentido. Como pouca gente conhece, não sente falta. Além de que apoiar quem está "começando" parece sempre mais difícil do que contatar o mesmo pessoal de sempre.

Cheguei até a ser sugerido fazer "por minha conta" de novo, como sempre fiz. Não sei se rio ou se choro. Como disse acima, fazer esse trabalho andarilho, de lá para cá, na ilusão da liberdade do centro de eventos, é extremamente desgastante. Cansaço físico, mental, má alimentação, claro que tudo isso faz parte do jogo, temperam o prato e mexem diretamente com o resultado criado, mas fazer isso apenas por mim já não me é tão interessante. Uma coisa é eu ir a um evento menor, algo independente e informal, de um amigo, e escrever pelo prazer do que vivi. Outra coisa é fazer isso para um evento que, mesmo em tempos difíceis, tem sim apoiadores e há sim verba. Quando se começa a perceber as nuances desse trabalho, aprendemos a nos poupar.

Soube também que alguns outros amigos também estão com problemas em suas participações no evento, graças às falhas de comunicação com os curadores e coordenadoria. Fiquei bastante surpreso com a decepção com que alguns me contaram suas histórias, do trabalho que já tinham feito e de repente não se ter qualquer garantia de que ele de fato será apresentado.

Meu Becos da Bienal infelizmente não ocorrerá. Talvez numa próxima edição, ou mesmo em outro evento, cidade. Mas ainda assim irei à Bienal 2019, há muitos amigos lançando livros e vivendo esse momento de glória e reconhecimento (e espero que recebendo algo). Sei, porém, que minha paixão maior pela literatura me fará sim escrever em meus cadernos essas vivências, mas ficarei apenas nisso. Isso me bastará dessa vez. Afinal, tudo começa no olhar, e segue caderno, até a escrita, a palavra escrita.

A XIII Bienal do Livro, com o insosso tema As Cidades e os Livros (falta peso, é um tema genérico e nem um pouco instigante ) acontece de 16 a 25 de agosto de 2019, no Centro de Eventos. A programação completa, tão confusa como sempre, está no site deles. Vamos ver se haverá o folder impresso já no primeiro dia (edit: acabei de chegar de lá, não houve). No mais, é sim uma conquista termos a Bienal numa época tão sombria, espero ao menos poder viver o melhor desta festa, que são não apenas os livros, mas as pessoas, cada vez mais as pessoas. Uma pena que se verá apenas a mesma cobertura arrastada e previsível de sempre, no primeiro dia já ditando o tom do último. É ver para crer. No meu caso, escrever.

Quem quiser ver o trabalho que fiz "por minha conta" nas edições passadas, é ver as postagens anteriores, do marcador 'Bienal do Livro'. As de 2017 ainda estão fresquinhas.

2 comentários:

  1. Denis, adorei seu relato. Há algum tempo, ando pensando sobre esse tipo de evento (e sua proposta "rasa" mais de publicização e consumismo que de incentivo a leitura) frente a atualidade (e toda a questão da tecnologia, dos e-books às publicações rápidas, até a questão da contenção dos recursos financeiros) e seu relato parece-se com o que já presumia. Infelizmente. Belo relato e bela crítica. Parabéns.

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  2. Denim, adorei seu registro sincero e sensível dessa situação do seu projeto Becos da Bienal.
    Sei o quanto se esforçou correndo contra o tempo pra elaborar seu projeto e apresentar uma escrita de qualidade.
    Infelizmente eles que perdem.
    Os ramalhetes visuais, adorei essa expressão poética, seriam fascinantes, como tudo que você escreve.
    Você foi fiel aos seus propósitos e a sua paixão pela literatura.
    Admiro seu talento e humildade, não desanime, dias melhores virão!!
    Parabéns por esse lindo relato...quase chorei, te amo,,beijinhos.����



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