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"O coração que se ganha é o que se dá em troca"Marcelino Freire



segunda-feira, 26 de abril de 2010

Bienal do Livro 2010: minhas impressões (IV - Moacir C. Lopes)

Após o cansaço que foi o dia da palestra de Ziraldo, eu já tinha praticamente decidido não ir à Bienal no dia seguinte, para dar uma descansada. As próximas palestras que gostaria de assistir só seriam a partir de sábado. Mas, no fim das contas, acabaria indo mesmo no dia seguinte.

Enquanto folheava o guia de programação do evento, sondei o dia 15 de abril, quinta-feira e encontrei mais uma ótima oportunidade: uma palestra com o tema Como Escrever um Romance, que teria como convidado Moacir Costa Lopes.

O tema me despertou de imediato. Mas ainda não conhecia o escritor convidado, tudo que sabia era o que o guia dizia: era do Rio de Janeiro. Sendo assim, perguntei logo ao Google e em poucos minutos obtive bastante informação. Moacir Costa Lopes, ou Moacir C. Lopes, nasceu em Quixadá, município aqui do Ceará, mas mora no Rio desde 1944. É um importante e conceituado escritor, autor de vários romances, como o premiado A ostra e o vento, que foi até adaptado para o cinema. Em 2009, completou 50 anos de carreira literária.

Era sem dúvida uma verdadeira autoridade na área. E iria debater sobre como articular um romance. Esse é um assunto que muito me interessa, pois venho ultimamente escrevendo pequenos contos e crônicas, mas visando algo maior no futuro. A estrutura do romance, bem como todas as suas nuances, sempre me intrigou. Sendo assim, voltei à Bienal no dia 15 de abril, para a palestra, que seria das 18:00 às 19:30, no mesmo espaço onde foi a de Ziraldo, a arena Memorial de Maria Moura.
Não me preocupei muito em ficar perto da entrada da arena esperando, pois tinha certeza de que não haveria filas para essa palestra, que evidentemente acabaria tendo um público mais seleto. Antes, ainda rodei mais um pouco pela feira, que nesse dia já esboçava um movimento similar ao que seria visto nos últimos três dias: centenas de pessoas movendo-se ao mesmo tempo entre um pavilhão e outro. Contudo, mesmo com tanta gente, poucos pareciam de fato estar aproveitando a feira, pois ainda via-se muito poucas pessoas com sacolas nas mãos. Pessoal, boa parte dos estandes tinha ótimos livros a preços bastante módicos!

Nesse dia, encontrei uma antologia que já procurava há tempos: contos de Grimm. Tenho me interessado muito pela estrutura de Contos de Fada, e os irmãos Grimm são uma ótima fonte de estudo e pesquisa. Finalizando com mais alguns livros de Ziraldo, e o clássico O mulato, de Aluísio Azevedo, que saiu por apenas R$2,00.

Feitas as compras, voltei à arena e entrei tranquilamente, sem qualquer fila ou aglomerado de pessoas. O espaço onde havia, no dia anterior, o balcão com os livros de Ziraldo - e seu pôster ao fundo - estava bem parecido, mas agora os livros de Moacir estavam à venda e não havia qualquer pôster na parede. Procurei entre os livros por A ostra e o vento, mas já havia acabado! Deixando o balcão de lado e seguindo mais adiante, vi que a disposição dos assentos já mudara completamente em relação ao dia anterior, com exceção das enormes arquibancadas, que permaneciam em suas lugares. Os almofadões estavam resumidos a um dos cantos da arena , e dessa vez pareciam liberados a quem quisesse. O pior mesmo foi o que aconteceu com as cadeiras, que foram significantemente reduzidas e arrumadas no canto oposto, à direita do palco, mas não necessariamente voltadas para ele; estavam dispostas de maneira que, sentado, só se podia ver a mesa quase de lado. Até agora não entendo por que essa inusitada posição foi adotada, não era nada agradável ter de virar toda a cabeça para olhar a mesa e não ter uma visão aceitável da própria. Ainda pensei em ir para as arquibancadas, que estavam bem vazias, mas de lá eu não poderia fazer os registros adequadamente, então me acomodei numa cadeira bem ao canto, próxima à caixa de som principal, para tentar captar o áudio o melhor possível.

Não percebi, por ainda não conhecê-lo, mas Moacir já estava sentado, em uma das cadeiras da primeira fileira, à espera de ser chamado. Pelo seu semblante, parecia uma pessoa muito calma e humilde. Mais pessoas iam chegando, enquanto um telão em um canto da arena entretia as já presentes. Em seguida, feitas as introduções, Moacir é chamado, e tem-se início a palestra.


Mediado por Gláucio Cunha, seu editor, o escritor falou sobre o início de sua carreira, de seu gosto pelo mar, suas inspirações e dificuldades que teve ao longo da vida. Em certo momento, subiu à mesa uma professora (cujo nome não me recordo...), profunda estudiosa da obra de Moacir, para ajudá-lo no andamento do tema e ao mesmo tempo tirar suas dúvidas acerca de seus textos.

Moacir ainda falou sobre as diferenças entre romance, crônica e conto, explicando a fundo as características de cada um. Uma verdadeira aula, sem dúvida. Falou também sobre o psicológico de seus personagens em seus romances, e também de romances clássicos, como Dom Quixote. Explicou como é o trabalho de pesquisa para se escrever um romance histórico e ainda disse uma grande verdade, ao comentar, em determinado ponto, que todas as telenovelas brasileiras são nada mais, nada menos que uma repetição da repetição - como se já tivessem uma fórmula pronta -, completou a professora.

Nos vídeos abaixo, alguns trechos da palestra:










Passado algum tempo de palestra, abriu-se o espaço para perguntas. Fiquei bastante surpreso nessa hora, pois ninguém levantou a mão. Nenhuma pergunta? Não. O público permaneceu quieto, a olhar para a mesa. Até pensei em quebrar a multidão, erguendo a mão e perguntando-lhe alguma coisa. Mas naquele pouco intervalo de tempo, somando-se ao silêncio aterrador da plateia, não consegui idealizar nenhuma pergunta interessante, e assim a palavra voltou à boca do mediador, que encerrou a palestra, agradecendo a todos os presentes. Moacir ainda fez suas considerações finais e foi bastante aplaudido, antes de o público começar a sair da arena.

Eu ainda permaneci sentado um pouco mais, fascinado pela ótima palestra que tinha assistido, por ter conhecido de perto um escritor de tão alto gabarito, que até o dia anterior, não conhecia nada a respeito. Pensei em ir falar com ele, mas não tinha nenhum de seus livros à mão, para talvez conseguir um autógrafo. Durante a palestra, Moacir falou de seu Guia prático de criação literária, considerado por muitos uma obra muito importante para um bom entendimento sobre o tão complexo ato de escrever. De cara, o livro me despertou interesse, e tinha tudo para se tornar uma ferramenta tão importante quanto meu velho Luft, se eu tivesse conseguido comprá-lo... Sim, se tivesse, pois ao fim da palestra, quando cheguei ao balcão, disposto a adquirir um, me informaram que já tinha esgotado. Então lembrei-me de que na hora que entrei ainda havia uns três exemplares, mas eu ainda não conhecia suficientemente bem o livro...

Mesmo sem livro, estava decidido a ir cumprimentá-lo, parabenizá-lo pela ótima palestra, e apenas aguardei baixar um pouco o movimento em volta dele, provavelmente de pessoas que também tinham o mesmo objetivo. Quando a maioria já havia se dispersado, fui falar com Moacir. Em uma coincidência bem chata, foi justamente na hora que alguém da organização da Bienal tomou o microfone para anunciar a próxima atração.

Dei-lhe um aperto de mão e, falando bastante alto para me fazer ouvir ante a voz do locutor, disse o quanto gostei de sua palestra, que não conhecia seu trabalho até então, mas que já me sentia profundamente interessado a começar a conhecer. Completei dizendo que também escrevia, no momento pequenos contos e crônicas, mas galgando caminho para um possível romance, e que suas palavras tinham elucidado muitas de minhas dúvidas. Moacir agradeceu, e disse-me, entre outras coisas, que era preciso ter paciência, muita paciência. Mais uma vez agradeci-lhe, e então saí do Centro de Convenções, bastante realizado.

O único porém foi não ter conseguido o Guia prático de criação literária, mas mesmo assim foi um ótimo momento da Bienal, com certeza. Afinal, uma palestra que quase acabei perdendo, não fosse uma olhada por acaso na programação! E pensar que eu poderia ter ficado em casa, descansando...

Ter paciência. Uma virtude necessária para se chegar à complexidade que envolve a elaboração de um romance. Sem dúvida, mas igualmente necessária para tantas outras coisas, sobretudo viver bem em um mundo tão difícil e intolerável como o de hoje.

Concluo aqui esta quarta parte da série. Na próxima postagem, minhas impressões sobre as palestras do grande Pedro Bandeira!

3 comentários:

  1. Excelente postagem Denis!! Infelizmente não pude acompanhá-lo nestes dias de bienal, mas tenho certeza de que, na próxima, você estará lá lançando um livro, e eu estarei presente para testemunhar! :D
    Siga sempre firme e pacientemente em frente, meu querido irmão :)

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  2. Fiquei muito feliz em encontrar essa postagem com vídeo desse grande escritor cuja obra sou estudiosa. Eu sou a professora Susana Frutuoso que estava à mesa com ele. Sinto gratidão por ter conhecido e convivido um pouco com Moacir C. Lopes!
    Ele era uma pessoa muito especial, de uma humildade e sabedoria ímpares! Estou escrevendo a Biografia dele para a Coleção Terra Bárbara da Fundação Demócrito Rocha. Para quem o conheceu ou deseja conhecer um pouco mais sobre este grande homem, fica o convite à leitura!

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    1. Olá Susana! Grande prazer receber sua visita (ainda mais depois de tanto tempo desse dia!). Fico igualmente feliz por saber que os posts mais antigos aqui ainda são visitados. O reli agora com grande saudade desse momento, foi bastante especial para mim também.

      Muito interessante saber deste seu projeto da biografia, alguma previsão para sair? Como faço para adquirir? Seria ótimo conhecer mais sobre o Moacir!

      Abraços!

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