Fotos: Denis Akel / Diego Akel
No domingo, 12 de fevereiro, tive uma surpresa bastante agradável, ao descobrir, meio por acaso, uma programação cultural aqui em Fortaleza. Tinha quase que acabado de chegar de Recife, onde fui fazer uma oficina literária (da qual falarei numa postagem futura), e ainda respirava o forte clima cultural que sempre paira na capital pernambucana, quando soube desse evento, o Panoramas Internacionais de Cultura, que reuniria exposições, mostra de filmes e apresentações musicais. Como destaque da programação, dois artistas convidados, a pianista Borislava Tavena e o escritor Ilko Minev.
BORISLAVA TANEVA?
Quando soube da programação e tive o desejo inicial de ir, comecei a pesquisar alguma coisa sobre a pianista, mas logo me detive. Nesse mundo de hoje, é um impulso essa coisa de querer sempre saber tudo, ou de querer se antever muito ao que vai acontecer. Chega, preferi não ler mais nada, não descobrir mais nada, mas me deixar envolver pelo momento que estava por vir. O máximo que cheguei a ver foi a foto de Borislava, que parecia muito simpática e receptiva. Já estava ótimo.
Haveria, ainda, antes do recital da pianista, uma apresentação do escritor búlgaro, radicado brasileiro, Ilko Minev. Eu ainda desconhecia Ilko, e seria uma ótima oportunidade também de conhecer sua obra, o que me deixou ainda mais animado para não perder essa noite, mais ainda por ter chegado há poucos dias de uma oficina literária e ver nessa oportunidade quase como algum tipo de prolongamento da boa sensação que trouxe de lá.
O horário que vi, da apresentação, à princípio foi às 18:30, mas quando chegamos ao teatro (fui com meu irmão Diego e uma amiga querida nossa, Carol), mais ou menos perto desse horário, esperando encontrar um habitual atraso como em qualquer evento do gênero, me deparei com o escritor búlgaro já no centro do palco.
EMBALADO POR CLÁSSICOS BÚLGAROS
À entrada, tinha recebido um folheto informativo que constava o verdadeiro horário: 17:30. Precisei de alguns minutos para entender que a apresentação não só já tinha começado como o escritor já ia bem além da metade de sua fala. Fazer o quê... procurei um lugar para sentar, enquanto o público, à meia luz, ouvia as palavras de Ilko. O áudio estava péssimo, tentei captar ainda um pouco do que ele dizia, mas já sabendo que tinha perdido bastante do contexto geral.
Sentado, observei um pouco o teatro e as pessoas que ali estavam, pensando como tinham sabido daquele vento, uma vez que foi bem pouco divulgado. Havia um público até bem respeitável, em sua maioria de senhores e senhoras. Não demorou mais do que alguns minutos, Ilko Minev agradeceu, foi aplaudido e deixou o palco. No instante seguinte, a apresentadora chamou o outro destaque da noite, a pianista Borislava Taneva. No folheto, havia um pequeno texto de introdução da própria Borislava. Achei as palavras tão sinceras, transmitindo muito bem o tom desta noite tão singular, que as reproduzo a seguir:
Nesse recital apresentarei uma espécie de "caminhada" no tempo, abrangendo obras desde a criação da escola búlgara de compositores profissionais (início do século 20) até os tempos atuais.
Interpretarei peças para piano de compositores clássicos, como o nosso grande Pancho Vladigerov (cujo Concerto no. 1 para piano figurou no concerto de diplomação de Hebert von Karajan - um fato pouco conhecido!) - e de seus colegas mais jovens Alexander Tanev, Georgui Minchev, Julia Tsenova. Apresentarei também os contemporâneos Georgui Arnaudov e Christo Yotzov.
Além de buscar representar as diversas gerações, ampliei tanto quanto possível a palheta de gêneros, de modo a incluir o estilo folclórico, música aleatória, jazz, colagem e muito mais.
Este meu projeto autoral foi implementado em Atenas, Genebra, Paris, Berlim, Luxemburgo, Munique, Moscou e em outros lugares, tendo sido recebido muito calorosamente, com grande interesse e curiosidade indisfarçável por parte do público.
A apresentação das peças será acompanhada por breves comentários, sendo uma honra para mim, como pianista, poder representar pela primeira vez este gênero específico da música búlgara aqui no Brasil, estreando na cidade de Fortaleza.
A pianista surgiu com elegância, trajando um longo vestido preto, sobre o qual um majestoso lenço enrolado ao pescoço. Tinha feições tão ternas que passava a sensação de já conhecer o teatro, o público, a cidade. Da mesma forma, senti um bem-estar só de vê-la, como se sua figura transmitisse paz, tranquilidade. No centro do palco do teatro, um enorme piano aguardava em silêncio, prestes a ser acordado.
O recital teve início, e tal como Borislava disse que faria, antes de cada música, ela falou algumas breves palavras sobre o compositor e curiosidades que a envolviam, enquanto uma projeção no fundo do palco mostrava uma foto do autor. A pianista falava diretamente em búlgaro, cabendo à apresentadora da noite, Nara, a função também de tradutora. Foi muito interessante observar aquele choque cultural, dois idiomas tão diferentes convergindo em algum tipo de entendimento, bem como as histórias que envolviam cada uma das melodias.
As músicas foram interpretadas maestralmente, de uma pianista segura e concentrada. É difícil definir exatamente o que senti ao escutá-las, mas é certamente algo de mágico, transcendental, algo que corre no ar, invisível, mas ao mesmo tempo palpável, amável. O prazer de se escutar um piano, se deixar perder na intensidade das notas, que ordenavam diálogos ora caóticos ora suaves. A cada nova peça, novas sensações, transformações. Observei também como o restante do público reagia a tudo aquilo, o que será que cada um pensava de Borislava? das composições? De que forma cada uma daquelas músicas lhes tocava?
Terminado o recital, Borislava foi aplaudida de pé. Sorridente e realizada, a pianista agradeceu a todos pela presença e por receberem tão bem aquelas composições que chegavam, em forma de recital, pela primeira à Fortaleza. Ela recebeu ainda um buquê de rosas e o carinho de todos com prolongadas palmas.
MOMENTO ILKO MINEV
Informaram em seguida que haveria um sorteio dos livros de Ilko. A maneira como esse sorteio se deu foi no mínimo inusitada: nada de números ou papéis distribuídos, a apresentadora disse que ganhariam os livros os aniversariantes do mês de fevereiro, e à medida que as pessoas foram se agrupando, ela finalizou dizendo que os do mês de maio e março também seriam vencedores. O público reagiu com certa estranheza, mas foi se adaptando à novidade.
No saguão central do teatro, foi disposta uma mesinha, onde o autor sentou-se. À sua volta, as pessoas tinham que estar com a identidade em mãos, para provar que eram dos respectivos meses. Todos se agruparam, sem saber ao certo onde ficar, até serem organizados de acordo com os meses que representavam. Como representante do mês de março, juntei-me a meus irmãos de mês. Parecia quase uma gincana escolar, com uma curiosa vibração no ar, de alegria, festa. A iniciativa de sortear aquele monte de livros (acho que foram mais de 30) era algo bem incomum de se ver. Ilko queria realmente espalhar sua literatura, e o fazia com uma leveza e simplicidade que davam gostos de ver. As duas obras, A filha dos rios e Onde estão as flores iam sendo distribuídas à medida que as filas andavam. No fim, fiquei um pouco ansioso por quase não ver mais livros sobre a mesinha. Mas ainda havia sobrado um, como que a conta certa para aquele momento. Recebi o livro das mãos do autor, que estava ao lado de sua esposa. Conversamos brevemente e soube que ele teria, no dia seguinte, uma fala na Academia Cearense de Letras. Seria um ótimo momento para compensar o que eu tinha perdido no início da noite. E lá fomos nós.
UM DIA NA AMAZÔNIA
Tão logo tive a honra de ganhar o livro "A Filha dos Rios", de Minev, me pus a lê-lo. Tenho adotado cada vez mais a ideia de fazer logo coisas que pensamos "faço depois, leio depois". E esse depois nunca chega. Gosto de assumir uma postura mais livre e solta, tentando ler sem que me dê conta de que realmente estou lendo, e assim deixando a leitura fluir com espontaneidade. Encontrei uma leitura acessível, bem articulada, bastante própria de imagens e sentidos, numa linguagem direta e bem dosada, que me fez sentir quase na Amazônia, à medida que se desenrola. E assim sigo a leitura, em uma brecha ou outra, sempre que possível, sem me dar conta de que realmente o estou lendo.
E NA ACADEMIA CEARENSE DE LETRAS
No dia seguinte, Ilko fez de fato a fala especial na ACL, na qual falaria com mais tempo, abordando sua história desde Sófia (capital da Búlgaria) , passando por São Paulo até chegar a Manaus. Na bancada junto a ele, acadêmicos e professores de universidades. Praticamente não havia público. Fui novamente com Diego e Carol e acho que éramos quase o único público extra oficial ali presente, e isso foi relativamente bom, pois favoreceu um debate mais silencioso. Contudo, o espaço da Academia é ótimo e deveria ser mais utilizado para falas de escritores e também mais divulgado.
A acústica do microfone também não era das melhores, mas já superava a do teatro. O escritor e acadêmico Dimas Macedo fez a mediação, debatendo com Ilko sua trajetória, desde a fuga da Bulgária por questões políticas, do longo período como empresário (começou vendendo calculadoras), da vida em Manaus e de como entrou na literatura. Foi uma conversa breve, mas bastante profunda. Era possível ver em Ilko alguém que abraçou a cultura brasileira com um apego muito próprio, a vida na Amazônia, que ele conhece tão bem desde sua juventude, uma história que se misturou tanto a ele a ponto de querer contá-la, como tem feito desde que começou a escrever.
A seguir alguns trechos do que consegui pegar da conversa:
Sempre fui leitor compulsivo, leio de tudo, até bula de remédios, isso me fez querer escrever e quis escrever para ser fácil de ler, escrevi em português simples – Ilko
Todas as histórias têm o seu lado positivo e negativo. Todos temos coisas na vida que valem a pena ser contadas, mesmo que não para publicar, escreva-as para a família – Ilko
No final da palestra, Ilko distribuiu mais livros, e dessa vez sem necessidade de sorteios. "Não pretendo voltar com todos esses livros não!", disse em tom de brincadeira. Mas ele voltaria, havia bem mais livros do que pessoas. Fez-se uma fila, e fui na esperança de conseguir o segundo livro, que na verdade era o primeiro em ordem de publicacão, Onde estão as flores. Tive mais uma conversa rápida com ele, na qual agradeci e parabenizei pelo conjunto da obra, e comentei que já tinha começado a ler o outro e estava gostando muito da maneira bem peculiar com a qual ele trabalhava a narrativa, nos situando realmente na Amazônia, e contava a história numa linguagem tão simples quanto cativante. Minev sorriu, disse que tinha um filho com o meu nome.
POST SCRIPTUM (01/05/2017)
Este post já estava praticamente pronto há meses, faltando apenas selecionar as fotos e fechar um ou outro tópico, mas me ocupei em outros eventos, como a Bienal do Livro e somente agora pude finalizá-lo. Este dia, a noite búlgara, continua ainda bastante aceso em mim. De quando em quando escuto algum dos compositores búlgaros e sigo ainda na leitura de A filha dos rios, que percebo cada vez mais ser um romance que homenageia Manaus, um retrato histórico muito particular, a visão de um europeu que se sentiu abraçado pelo Brasil, que mostra uma realidade pouco conhecida na literatura, de igarapés, seringais, pelas de borracha, de uma Manaus antiga que clama para ser revisitada.
Para mais informações sobre Ilko Minev, há largo conteúdo sobre ele no YouTube, e o autor tem ainda seu site oficial.
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